O
aluno perfeito
Ele
se chamava Memorioso, pois seus pais julgavam que a memória perfeita é
essencial para uma boa educação
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Rubem Alves
Transcorridos os nove meses de gravidez, ele nasceu. Ela deu à luz um lindo computador! Que felicidade ter um computador como filho! Era o filho que desejavam ter! Por isso eles haviam rezado muito durante toda a gravidez, chegando mesmo a fazer promessas.
O batizado foi uma festança. Deram-lhe o nome de Memorioso, porque julgavam que uma memória perfeita é o essencial para uma boa educação. Educação é memorização. Crianças com memória perfeita vão bem na escola e não têm problemas para passar no vestibular.
E foi isso mesmo que aconteceu. Memorioso memorizava tudo que os professores ensinavam. Mas tudo mesmo. E não reclamava. Seus companheiros reclamavam, diziam que aquelas coisas que lhes eram ensinadas não faziam sentido. Suas inteligências recusavam-se a aprender. Tiravam notas ruins. Ficavam de recuperação.
Isso não acontecia com Memorioso. Ele memorizava com a mesma facilidade a maneira de extrair raiz quadrada, reações químicas, fórmulas de física, acidentes geográficos, populações de países longínquos, datas de eventos históricos, nomes de reis, imperadores, revolucionários, santos, escritores, descobridores, cientistas, palavras novas, regras de gramática, livros inteiros, línguas estrangeiras. Sabia de cor todas as informações sobre o mundo cultural.
A memória de Memorioso era igual à do personagem do Jorge Luis Borges de nome Funes. Só tirava dez, o que era motivo de grande orgulho para os seus pais. E os outros casais, pais e mães dos colegas de Memorioso, morriam de inveja. Quando filhos chegavam em casa trazendo boletins com notas em vermelho eles gritavam: "por que você não é como o Memorioso?"
Memorioso foi o primeiro no vestibular. O cursinho que ele freqüentara publicou sua fotografia
Depois da cerimônia acadêmica foi a festa. E estavam todos felizes no jantar quando uma moça se aproximou de Memorioso e se apresentou: "Sou repórter. Posso lhe fazer uma pergunta?" "Pode fazer", disse Memorioso confiante. Sua memória continha todas as respostas.
Aí ela falou: "De tudo o que você memorizou qual foi aquilo que você mais amou? Que mais prazer lhe deu?"
Memorioso ficou mudo. Os circuitos de sua memória funcionavam com a velocidade da luz procurando a resposta. Mas aquilo não lhe fora ensinado. Seu rosto ficou vermelho. Começou a suar. Sua temperatura subiu. E, de repente, seus olhos ficaram muito abertos, parados, e se ouviu um chiado estranho dentro de sua cabeça, enquanto fumaça saia por suas orelhas. Memorioso primeiro travou. Deixou de responder a estímulos. Depois apagou, entrou
Há perguntas para as quais a memória não tem respostas . É que tais respostas não se encontram na memória. Encontram-se no coração, onde mora a emoção...