LYGIA
FAGUNDES TELLES nasceu em São Paulo e passou a infância no
interior do Estado, onde o pai, o advogado Durval de Azevedo Fagundes, foi
promotor público. A mãe, Maria do Rosário (Zazita), era pianista. Voltando a
residir com a família em São Paulo, a escritora fez o curso fundamental na
Escola Caetano de Campos e em seguida ingressou na Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo, onde se formou. Quando
estudante do pré-jurídico cursou a Escola Superior de Educação Física da mesma
universidade. Quarta ocupante da Cadeira nº 16, eleita em 24 de outubro de
1985, na sucessão de Pedro Calmon e recebida em 12 de maio de 1987 pelo
acadêmico Eduardo Portella.
Foi na França,
durante a Segunda Grande Guerra. Um jovem tinha um cachorro que todos os dias,
pontualmente, ia esperá-lo voltar do trabalho. Postava-se na esquina, um pouco
antes das seis da tarde. Assim que via o dono, ia correndo ao seu encontro e,
na maior alegria, acompanhava-o com seu passinho saltitante de volta a casa.
A vila inteira já
conhecia o cachorro e as pessoas que passavam faziam-lhe festinhas e ele
correspondia, chegava a correr todo animado atrás dos mais íntimos para logo
voltar atento ao seu posto e ali ficar sentado até o momento em que seu dono
apontava lá longe.
Mas eu avisei que o
tempo era de guerra, o jovem foi convocado. Pensa que o cachorro deixou de
esperá-lo? Continuou a ir diariamente até a esquina, fixo o olhar ansioso
naquele único ponto, a orelha em pé, atenta ao menor ruído que pudesse indicar
a presença do dono bem amado. Assim que anoitecia, ele voltava para casa e
levava sua vida normal de cachorro até chegar o dia seguinte. Então,
disciplinadamente, como se tivesse um relógio preso à pata, voltava ao seu
posto de espera.
O jovem morreu num
bombardeio, mas no pequeno coração do cachorro não morreu a esperança. Quiseram
prendê-lo, distraí-lo. Tudo em vão. Quando ia chegando àquela hora ele
disparava para o compromisso assumido, todos os dias. Todos os dias.
Com o passar dos
anos (a memória dos homens!) as pessoas foram se esquecendo do jovem soldado
que não voltou. Casou-se a noiva com um primo. Os familiares voltaram-se para
outros familiares. Os amigos, para outros amigos. Só o cachorro já velhíssimo
(era jovem quando o jovem partiu) continuou a esperá-lo na sua esquina, com o
focinho sempre voltado para aquela direção.