quarta-feira, 15 de abril de 2015

Vamos ler..

(Ilustração: BBC)
“Que medo é esse que nos mostra tão destrutivos? Talvez a ideia de que ‘ele é diferente, pode me ameaçar’”, diz Lya Luft (Ilustração: BBC)
Artigo publicado em edição impressa de VEJA
Lya LuftO tema é espinhoso. Todos somos por ele atingidos de uma forma ou de outra, como autores ou como objetos dele. O preconceito nasce do medo, sua raiz cultural, psíquica, antropológica está nos tempos mais primitivos – por isso é uma postura primitiva -, em que todo diferente era um provável inimigo. Precisávamos atacar antes que ele nos destruísse. Assim, se de um lado aniquilava, de outro esse medo nos protegia – a perpetuação da espécie era o impulso primeiro.
Hoje, quando de trogloditas passamos a ditos civilizados, o medo se revela no preconceito e continua atacando, mas não para nossa sobrevivência natural; para expressar nossa inferioridade assustada, vestida de arrogância. Que mata sob muitas formas, em guerras frequentes, por questões de raça, crença e outras, e na agressão a pessoas vitimadas pela calúnia, injustiça, isolamento e desonra. Às vezes, por um gesto fatal.
Que medo é esse que nos mostra tão destrutivos? Talvez a ideia de que “ele é diferente, pode me ameaçar”, estimulada pela inata maldade do nosso lado de sombra (ele existe, sim).
Nossa agressividade de animais predadores se oculta sob uma camada de civilização, mas está à espreita – e explode num insulto, na perseguição a um adversário que enxovalhamos porque não podemos vencê-lo com honra, ou numa bala nada perdida. Nessa guerra ou guerrilha usamos muitas armas: uma delas, poderosa e sutil, é a palavra.
Paradoxais são as palavras, que podem ser carícias ou punhais. Minha profissão lida com elas, que desde sempre me encantam e me assombram: houve um tempo, recente, em que não podíamos usar a palavra “negro”. Tinha de ser “afrodescendente”, ou cometíamos um crime. Ora, ao mesmo tempo havia uma banda Raça Negra, congressos de Negritude… e afinal descobrimos que, em lugar de evitar a palavra, podíamos honrá-la.
Lembremos que termos usados para agredir também podem ser expressões de afeto. “Meu nego”, “minha neguinha”, podem chamar uma pessoa amada, ainda que loura. “Gordo”, tanto usado para bullying, frequentemente é o apelido carinhoso de um amigo, que assim vai assinar bilhetes a pessoas queridas. Ao mesmo tempo, palavras como “judeu, turco, alemão” carregam, mais do que ignorância, um odioso preconceito.
De momento está em evidência a agressão racial em campos esportivos: “negro”, “macaco” e outros termos, usados como chibata para massacrar alguém, revelam nosso lado pior, que em outras circunstâncias gostaríamos de disfarçar – a grosseria, e a nossa própria inferioridade. Nesses casos, como em agressões devidas à orientação sexual, a atitude é crime, e precisamos da lei.
No país da impunidade, necessitamos de punição imediata, severa e radical. Me perdoem os seguidores da ideia de que até na escola devemos eliminar punições, a teoria do “sem limites”. Não vale a desculpa habitual de “não foi com má intenção, foi no calor da hora, não deem importância”. Temos de nos importar, sim, e de cuidar da nossa turma, grupo, comunidade, equipe ou país. Algumas doenças precisam de remédios fortes: preconceito é uma delas.
“Isso não tem jeito mesmo”, me dizem também. Acho que tem. É possível conviver de forma honrada com o diferente: minha família, de imigrantes alemães aqui chegados há quase 200 anos, hoje inclui italianos, negros, libaneses, portugueses. Não nos ocorreria amar ou respeitar a uns menos do que a outros: somos todos da velha raça humana. Isso ocorre em incontáveis famílias, grupos, povos. Porque são especiais? Não. Simplesmente entenderam que as diferenças podem enriquecer.
Num país que sofre de tamanhas carências em coisas essenciais, não devíamos ter energia e tempo para perseguir o outro, causando-lhe sofrimento e vexame, por suas ideias, pela cor de sua pele, formato dos olhos, deuses que venera ou pessoa que ama.
Nossa energia precisa se devotar a mudanças importantes que o povo reclama. Nestes tempos de perseguição, calúnia, impunidade e desculpas tolas, só o rigor da lei pode nos impedir de recair rapidamente na velha selvageria. Mudar é preciso.

domingo, 12 de abril de 2015

Preocupante retrocesso

Preocupante retrocesso

Chico Viana
Os números sobre o desempenho dos candidatos na redação do Enem 2014 são preocupantes. Apareceram 529.374 zeros (8,5% dos candidatos), bem mais do que no ano anterior (105,7 mil). 248.471 redações foram anuladas. A média caiu 9,7% em relação a 2013.

Como ocorre sempre que se divulgam resultados desse tipo, procura-se agora apontar as razões para o fraco desempenho dos alunos. Uns culpam a escola; outros responsabilizam os estudantes, que leem cada vez menos; houve até quem atribuísse a má performance ao tema ("Publicidade infantil em questão no Brasil"), que foi pouco discutido se comparado com o da Lei seca.

Não é surpresa para ninguém que a escola desempenha mal o seu papel quando a tarefa é ensinar a escrever. A maior parte dos alunos que se submetem ao Enem frequenta instituições públicas, que não raro se veem às voltas com problemas de infraestrutura e corpo docente. Nas escolas que escapam a esse tipo de problema utiliza-se uma metodologia por vezes inadequada, com pouca cobrança de leituras e uma avaliação insuficiente.

Para escrever bem é preciso ler e treinar muito. O processo de correção não pode se limitar à atribuição de uma nota, deixando-se de lado as falhas evidenciadas no texto. A discussão sobre o que nele "não funciona" demanda necessariamente os exercícios de refeitura, que vão esclarecer os alunos sobre os erros e evitar que se repitam.

Além disso as aulas de redação tendem a se concentrar no ensino de gramática, e muitas vezes fora da perspectiva textual. Ensina-se a gramática pela gramática, enfatizando a nomenclatura e tomando como exemplos frases isoladas. É claro que isso não motiva nem orienta o aluno para o trabalho de estruturação, que vai muito além de classificar períodos.

Quem diz que os maus resultados se deveram ao fato de o tema ser desconhecido, ou pouco comentado pela mídia, esquece que a produção de um bom texto depende sobretudo de técnica. Não há temas fáceis ou difíceis quando o redator sabe o que fazer. O importante é que envolvam aspectos relevantes para a vida em sociedade e sejam objeto de muito exercício.
Segundo Jessé Corrêa, um dos alunos que obtiveram 1000, "chegar na prova com um tema que já foi debatido, pensado, argumentado e desenvolvido é um trunfo gigante, tanto no tempo da prova quanto na própria argumentação diferenciada".

Para tornar o mais possível objetiva a correção, o Enem deixa claro o que espera do aluno em cada parágrafo. Cabe a ele, com a ajuda do professor, praticar segundo os parâmetros indicados pelos organizadores. Isso pode levar a algum bitolamento no formato das redações, mas é fundamental para assegurar a retidão do processo.

O dado que mais chamou a atenção nos números divulgados foi a quantidade de redações anuladas. Fuga ao tema (217.339) e cópia dos textos motivadores (13.039) foram as razões mais comuns para a anulação. O tema, conforme o Guia do Participante 2013, "constitui o núcleo das ideias sobre as quais a tese se organiza" (p. 15) e deve ser cuidadosamente observado para que a redação tenha unidade. Foge-se a ele, na maioria das vezes, devido à falta de compreensão da proposta.

Para evitar isso, é preciso ler com muita atenção os textos motivadores. Eles não só delimitam o tema, como podem ser aproveitados para construir a argumentação. Também constituem boas fontes de ideias, tanto que o guia instrui o candidato a escrever seu texto "a partir deles". Entendê-los bem evita que o aluno se perca em atalhos que nada têm a ver com o que foi pedido.

Na versão 2013 do Enem, provas com setenta a oitenta por cento de cópia receberam notas que deixavam os candidatos com chances de concorrer a uma vaga no Sisu. Na edição passada do exame houve maior rigor quanto a isso, o que também explica o aumento no número de anulações e, consequentemente, de zeros.

Outras razões para a anulação, segundo o MEC, foram "texto insuficiente, não atendimento ao tipo textual indicado, partes desconectadas e textos que 'ferem' os direitos humanos (além de outros motivos não divulgados)". As falhas refletem um despreparo antigo, que aparece em indicadores como a Prova Brasil.

Essa prova, como se sabe, mede o desempenho em português e matemática de alunos da 5ª à 9ª série do ensino fundamental. Em sua última versão, ela mostra que é justamente no 9º ano que os resultados mais se distanciam das metas estabelecidas pelo MEC. Às vésperas de iniciar o ensino médio, 40% dos alunos não conseguem identificar o tema principal de um poema ou a moral de uma fábula. Como chegarão no curto espaço de três anos a compreender um tema de redação, saber em que modalidade ela deve ser escrita, desenvolvê-la de forma conexa e atender aos requisitos éticos e pragmáticos exigidos pelo Enem?


Na resposta a essa pergunta pode estar a explicação para os 529.374 zeros. Como diz Ruben Kleins, membro da Academia Brasileira de Educação, "o ensino médio só vai melhorar quando resolvermos (os) problemas nos anos finais do fundamental". 

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