Os números sobre o desempenho dos candidatos na redação do Enem 2014 são preocupantes. Apareceram 529.374 zeros (8,5% dos candidatos), bem mais do que no ano anterior (105,7 mil). 248.471 redações foram anuladas. A média caiu 9,7% em relação a 2013.
Como ocorre sempre que se divulgam resultados desse tipo, procura-se agora apontar as razões para o fraco desempenho dos alunos. Uns culpam a escola; outros responsabilizam os estudantes, que leem cada vez menos; houve até quem atribuísse a má performance ao tema ("Publicidade infantil em questão no Brasil"), que foi pouco discutido se comparado com o da Lei seca.
Não é surpresa para ninguém que a escola desempenha mal o seu papel quando a tarefa é ensinar a escrever. A maior parte dos alunos que se submetem ao Enem frequenta instituições públicas, que não raro se veem às voltas com problemas de infraestrutura e corpo docente. Nas escolas que escapam a esse tipo de problema utiliza-se uma metodologia por vezes inadequada, com pouca cobrança de leituras e uma avaliação insuficiente.
Para escrever bem é preciso ler e treinar muito. O processo de correção não pode se limitar à atribuição de uma nota, deixando-se de lado as falhas evidenciadas no texto. A discussão sobre o que nele "não funciona" demanda necessariamente os exercícios de refeitura, que vão esclarecer os alunos sobre os erros e evitar que se repitam.
Além disso as aulas de redação tendem a se concentrar no ensino de gramática, e muitas vezes fora da perspectiva textual. Ensina-se a gramática pela gramática, enfatizando a nomenclatura e tomando como exemplos frases isoladas. É claro que isso não motiva nem orienta o aluno para o trabalho de estruturação, que vai muito além de classificar períodos.
Quem diz que os maus resultados se deveram ao fato de o tema ser desconhecido, ou pouco comentado pela mídia, esquece que a produção de um bom texto depende sobretudo de técnica. Não há temas fáceis ou difíceis quando o redator sabe o que fazer. O importante é que envolvam aspectos relevantes para a vida em sociedade e sejam objeto de muito exercício.
Segundo Jessé Corrêa, um dos alunos que obtiveram 1000, "chegar na prova com um tema que já foi debatido, pensado, argumentado e desenvolvido é um trunfo gigante, tanto no tempo da prova quanto na própria argumentação diferenciada".
Para tornar o mais possível objetiva a correção, o Enem deixa claro o que espera do aluno em cada parágrafo. Cabe a ele, com a ajuda do professor, praticar segundo os parâmetros indicados pelos organizadores. Isso pode levar a algum bitolamento no formato das redações, mas é fundamental para assegurar a retidão do processo.
O dado que mais chamou a atenção nos números divulgados foi a quantidade de redações anuladas. Fuga ao tema (217.339) e cópia dos textos motivadores (13.039) foram as razões mais comuns para a anulação. O tema, conforme o Guia do Participante 2013, "constitui o núcleo das ideias sobre as quais a tese se organiza" (p. 15) e deve ser cuidadosamente observado para que a redação tenha unidade. Foge-se a ele, na maioria das vezes, devido à falta de compreensão da proposta.
Para evitar isso, é preciso ler com muita atenção os textos motivadores. Eles não só delimitam o tema, como podem ser aproveitados para construir a argumentação. Também constituem boas fontes de ideias, tanto que o guia instrui o candidato a escrever seu texto "a partir deles". Entendê-los bem evita que o aluno se perca em atalhos que nada têm a ver com o que foi pedido.
Na versão 2013 do Enem, provas com setenta a oitenta por cento de cópia receberam notas que deixavam os candidatos com chances de concorrer a uma vaga no Sisu. Na edição passada do exame houve maior rigor quanto a isso, o que também explica o aumento no número de anulações e, consequentemente, de zeros.
Outras razões para a anulação, segundo o MEC, foram "texto insuficiente, não atendimento ao tipo textual indicado, partes desconectadas e textos que 'ferem' os direitos humanos (além de outros motivos não divulgados)". As falhas refletem um despreparo antigo, que aparece em indicadores como a Prova Brasil.
Essa prova, como se sabe, mede o desempenho em português e matemática de alunos da 5ª à 9ª série do ensino fundamental. Em sua última versão, ela mostra que é justamente no 9º ano que os resultados mais se distanciam das metas estabelecidas pelo MEC. Às vésperas de iniciar o ensino médio, 40% dos alunos não conseguem identificar o tema principal de um poema ou a moral de uma fábula. Como chegarão no curto espaço de três anos a compreender um tema de redação, saber em que modalidade ela deve ser escrita, desenvolvê-la de forma conexa e atender aos requisitos éticos e pragmáticos exigidos pelo Enem?
Na resposta a essa pergunta pode estar a explicação para os 529.374 zeros. Como diz Ruben Kleins, membro da Academia Brasileira de Educação, "o ensino médio só vai melhorar quando resolvermos (os) problemas nos anos finais do fundamental".
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