Rosely Sayão: “Educar é
apresentar a vida e não dizer como viver”
A psicóloga, que acaba de lançar
o livro 'Educação sem blá-blá-blá', fala sobre a importância das relações
familiares e escolares para uma educação para o mundo
THAIS
PAIVA
Educar não é fácil, muito menos
nos tempos atuais. A sociedade tem passado por muitas transformações, e os pais se veem, tantas
vezes, completamente perdidos. É o que evidencia a psicóloga Rosely
Sayão em seu recém-lançado livro Educação sem blá-blá-blá (Ed.
Três Estrelas, 2016).
Mas por que pais e professores
estão tão perdidos? Para começar, diz a especialista, complicamos o que é muito
simples e simplificamos o que tem grande complexidade. E, para completar, somos
muito egoístas. “Não queremos elas [as crianças] sofram, como se fosse possível
evitar que isso ocorra, não queremos sofrer com a dor delas, não queremos que
elas vivenciem frustrações, não queremos que sejam excluídas de grupos sociais.
Para nós, o que conta são esses nossos sentimentos, mesmo que, para elas,
passar por todas essas experiências “negativas” seja algo muito benéfico”,
explica na introdução da obra.
Em conversa com Carta Educação,
Rosely falou sobre os principais temas abordados no livro como a relação entre família e escola, a dificuldade dos pais de
dizer “não”, como apresentar a tecnologia às crianças, entre outros assuntos
essenciais para um convívio familiar e escolar mais saudável.
Carta Educação: O mundo tem passado por muitas
transformações em um espaço de tempo relativamente pequeno. A educação vem
acompanhando essas mudanças? Quais são os ensinamentos de nossos avós, pais
ainda pertinentes e quais aqueles que precisam ser revisados?
Rosely Sayão: Os ensinamentos que precisamos
manter são aqueles gerais, relacionados aos princípios e valores.
Independentemente das mudanças que ocorreram no mundo, do estilo de vida que as
crianças e jovens levam hoje, é preciso ensiná-los a ser honesto, ético, justo,
respeitar o outro. O que muda é a maneira de ensinar: acho que hoje a mediação
funciona bem. Então usar um filme para discutir uma determinada situação ou uma
notícia que está tendo repercussão nas mídias pode ser um ponto de partida para
conversar sobre os temas. Antes os pais só mandavam, era “faça isso, não faça
aquilo, isso pode, aquilo não”. Hoje, deve haver a conversa
junto com a atitude. Não é só conversa também, são os dois juntos.
CE: No seu livro, a senhora
fala em crise da autoridade dos pais e como isso tem dificultado a relação
deles com os filhos. Poderia explicar melhor?
RS: A crise da autoridade começou faz
tempo, mas estamos vendo os efeitos disso na educação só agora. E não é só a
autoridade dos pais que está sendo contestada, é geral. Se analisarmos o nosso
panorama político nas últimas décadas, percebemos que nem as autoridades
políticas são respeitadas mais. Em relação aos pais, dizer não para o filho é
apresentar a vida como ela é e essa é a dificuldade dos pais, pois eles querem
criar um mundo perfeito para seus filhos, só que esse mundo não existe. Mas
educar é isso: apresentar a
vida e não dizer como viver.
CE: Por que é tão difícil
dizer “não”?
RS: Muitos pais me perguntam
isso, como dizer “não” ao filho, e eu viro e respondo: “Olha para ele e diz
‘não’”. A verdade é que os pais não querem bancar o que vem depois do não. A
birra, o choro, a revolta. Mas tem de bancar, pois é função dos pais fazer com
que a criança faça aquilo que é bom para ela. Porque isso ela não sabe, a
criança só sabe o que ela gosta e não gosta.
CE: Muitos pais têm sobrecarregado
seus filhos com atividades extraclasse na ânsia de moldá-los dentro
do currículo perfeito desde muito cedo. Como a senhora
enxerga essa tendência?
RS: O individualismo e a
competição estão no seu auge em paralelo com o poder de consumo. Há uma geração
educada dessa maneira e percebe-se que isso não está ajudando a melhorar o
mundo, pelo contrário. Então está na hora de a gente repensar isso tudo. Se o
mundo ensina a gente a ser competitivo, a gente tem que dar uma vacina para
nosso filho, isto é, ensinar a ser cooperativo. O mundo ensina que é importante
consumir, tenho que dar a vacina e mostrar que pode-se consumir de maneira
crítica. Isso que é importante e não ensinar mais do mesmo. Se o mundo já
ensina isso, a gente não precisa ensinar de novo.
CE: A senhora também defende
que a relação entre família e escola deva ser, em certa medida, conflitante
para que a criança tenha duas perspectivas de mundo. Como assim?
RS: Uma é a perspectiva de
mundo segundo a família, que é uma perspectiva privada, recheada muitas vezes
de preconceitos, pré-julgamentos, convicções. E a escola deveria oferecer para
o alunado a visão de mundo na perspectiva do conhecimento. Assim, o aluno pode
olhar para aquilo que ele aprendeu com os pais e pensar criticamente a respeito.
Se não o mundo nunca muda, os filhos vão repetir os pais e pronto. Então quando
eu vejo famílias
procurando escolas que falam a mesma linguagem que eles, eu
ficou um pouco assustada porque é colocar a criança sob a ditadura de um
pensamento único.
CE: Falando nisso, qual sua
opinião sobre o projeto Escola Sem
Partido que quer tipificar e punir o assédio ideológico nas
escolas?
RS: Tudo que acontece na escola
é político, é que nós achamos que política é sempre partidária. Toda escola é
obrigada a ter um projeto político-pedagógico, esse é o nome. O que significa
esse político? O tipo de cidadão que nós queremos formar. A gente quer formar
um cidadão consciente, crítico ou um cidadão que aceita tudo que dizem para
ele? Eu li alguma coisa sobre o Escola Sem
Partido e não entendi porque para mim pareceu que o projeto
busca negar uma determinada ideologia, mas não outras. Não há neutralidade
nem na ciência, ao ler um texto científico, eu interpreto segundo meu
referencial ético, moral. Então não existe escola sem política. Sem partido,
até pode ser, mas não é isso que esse movimento prega.
CE: A relação família-escola
está fadada a ser tensa?
RS: Não necessariamente, está
fadada a ser conflituosa. Em nosso País, temos uma imagem pejorativa dessa
palavra. Mas o conflito é
sempre muito positivo, porque permite que visões diferentes
encontrem diálogo e possam assim modificar um ao outro. Para nós, hoje,
resolver conflito significa confrontar. Conflito não é convencer o outro da
minha visão, mas também entender a postura, visão do outro.
CE: Deve haver diferenças
entre educar meninos e meninas?
RS: Tem diferença entre educar um
filho e outro, entre educar Maria e Mariana. Cada filho é único e a gente vai
aprendendo na trajetória a conhecê-lo, que ele não é do jeito que a gente
queria que fosse, etc. Então educar meninos é diferente de educar meninas, sim,
mas não no
sentido dos preconceitos e dos estereótipos de gênero. Mais no
sentido de que educar cada filho é diferente. Eu conheci uma mãe que me disse
uma frase que me fez pensar muito. Ela disse assim: “A maior injustiça que eu
posso cometer com meus filhos é tratá-los da mesma maneira”.
CE: Como a tecnologia
deve ser inserida no cotidiano da criança? Quais são os limites?
RS: É bom lembrar que a
televisão já foi usada como babá eletrônica. Os pais quando precisavam de um
pouco de sossego ligavam a TV e as crianças ficavam lá encantadas. A grande vantagem
do tablet é que agora dá para fazer isso fora de casa, de
qualquer lugar. Eu vejo muito em restaurante, a família almoçando e a criança
lá no tablet. Hoje, nós temos muitas pesquisas que são conflitantes
entre si, estudo falando que é bom apresentar cedo, outro falando que
prejudica.
Eu diria que o bom senso ajuda.
Se você der um tablet ou um celular para uma criança com menos
de 6 anos, ele vai ver aquilo como um brinquedo, mas é um
brinquedo que não vai estimular a criatividade dela em nada. Usar um
recurso tecnológico para a criança ficar quietinha não vale a pena. A partir
dos 7 anos, acho que dá para usar muitos recursos interessantes, mas a gente
não pode esquecer que a infância – que vai mais ou menos até os 12 anos – deve
ser usada para a criança explorar o mundo em todas as suas possibilidades.
Então se ela ficar o dia todo só empinando pipa não vai ser legal porque vai
perder outras oportunidades. O mesmo vale para um recurso tecnológico.
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