Barrar agressores de tirar OAB é positivo, dizem
especialistas
Aplicação
da súmula, porém, é desafio; nova regra acompanha tendência mundial
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Júlia Zaremba
A nova súmula da OAB que impede
agressores de mulheres de obter registro de advogado é vista por especialistas
da área como um passo importante no combate à violência de gênero no país,
mas a aplicação será um desafio.
Aprovada
na segunda (18) pelo Conselho Federal da entidade, a súmula diz que bacharéis
em direito e advogados com histórico de violência física, sexual ou psicológica contra
mulheres podem ter a inscrição negada ou cassada, mesmo que não
tenham sido condenados.
A
idoneidade moral do candidato já era levada em consideração pelas seccionais na
hora de emitir ou manter o registro. Mas, dependendo do lugar, o histórico de
violência contra a mulher não era um fator impeditivo.
Faltava
elaborar uma orientação a ser seguida por todos os estados, diz Daniela Lima,
presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, vinculada à OAB. “Quem
pratica violência não tem idoneidade para exercer a advocacia. Fere um valor
muito caro ao estado democrático de direito”, diz.
Para
ela, um dos aspectos mais importantes da súmula foi considerar que o
impedimento vale mesmo que o bacharel ou advogado não responda a processo ou
tenha sido condenado na esfera criminal.
Nesse
caso, caberá à OAB produzir provas durante o processo administrativo e às
vítimas e testemunhas denunciarem o agressor à entidade, o que pode ser um
desafio, especialmente porque a subnotificação de crimes contra a mulher é alta
no país.
Pesquisa realizada pelo Datafolha a
pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que 52% de mulheres
vítimas de agressão ouvidas não denunciaram o agressor a autoridades ou à
família.
Torna-se,
assim, necessário aprimorar mecanismos de denúncias, diz Isabela Del Monde, da
Rede Feminista de Juristas. Criar um canal específico para isso seria uma
alternativa. “E também fomentar cada vez mais a denúncia formal perante
autoridades policiais locais”, diz.
Para
a promotora Fabiana Dalmas, do Ministério Público de São Paulo, mesmo que o
sujeito tenha sido absolvido não significa, necessariamente, que seja idôneo.
“O conceito é mais amplo. Será necessário avaliar caso a caso”, diz.
Quando
há registro do crime, a apuração é facilitada, já que um dos documentos que
devem ser apresentados durante o requerimento de inscrição é uma declaração de
inexistência de processo criminal. O direito à defesa e ao contraditório são,
claro, preservados.
Quem
está em meio a um processo ético disciplinar é o estudante de direito Vinícius
Serra, 27, que agrediu a empresária Elaine Caparroz, 55. Poucos dias antes do
crime, ocorrido em fevereiro, ele havia passado no exame da OAB.
A
seccional do Rio de Janeiro da entidade ainda não definiu qual pena será
aplicada a ele. Pela nova súmula, ele deveria perder o registro.
A
nova súmula da OAB acompanha tendência mundial de repressão à violência de
gênero, diz Dalmas. O governo da Austrália, por exemplo, anunciou neste mês que
banirá a entrada no país de viajantes condenados por agressão conjugal ou
contra crianças.
“A
orientação é necessária. Trabalha na frente preventiva. Potenciais agressores
que queiram seguir a carreira de advogado vão pensar duas vezes antes de
praticar um ato violento”, afirma.
Independentemente
dos resultados práticos, a súmula é importante por seu caráter simbólico, diz
Del Monde. “Há um reconhecimento da epidemia de violência contra a mulher por
parte de uma classe importante para a manutenção do estado democrático de
direito no Brasil”, diz.
Ela
diz que outras entidades e conselhos deveriam se inspirar na súmula,
especialmente da área da medicina. “Muitas mulheres sofrem violência em consultórios médicos. Serviria
como uma peneira e garantiria a proteção de pacientes”, diz.
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