quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Acomodação X possibilidades


Lya Luft: A bruxa nos relógios
"Descobrir o que afinal se quer é essencial. É raro. É possível. E quando alguém resolver não pagar mais o altíssimo tributo da acomodação, mas dar sentido à sua vida, verá que a bruxa dos relógios não é inteiramente má"
“Descobrir o que afinal se quer é essencial. É raro. É possível. E quando alguém resolver não pagar mais o altíssimo tributo da acomodação, mas dar sentido à sua vida, verá que a bruxa dos relógios não é inteiramente má”
A BRUXA NOS RELÓGIOS

Quando criança, eu achava que no relógio de parede do sobrado de  uma de minhas avós, aquele que soava horas, meias horas e quartos de hora que me assustavam nas madrugadas insones em que eu eventualmente dormia lá, morava uma feiticeira que tricotava freneticamente, com agulhas de metal, tique-taque, tique-taque, tecendo em longas mantas o tempo da nossa vida.Não falarei aqui do meu desânimo quanto à situação do país: cansei. Por algum breve tempo vou tirar férias dessa preocupação. Vou me concentrar no possível: os afetos, o trabalho, a vida. Então falo aqui de um tema que me fascina, sobre o qual muito tenho refletido e acabo de escrever um livro: a passagem do tempo.
Nessas reflexões, e observações, mais uma vez constatei o que todo mundo sabe: vivemos a idolatria da juventude — e do poder, do dinheiro, da beleza física e do prazer.
Muitos gostariam de ficar para sempre embalsamados em seus 20 ou 30 anos. Ou ter aos 60, “alma jovem”, o que acho muito discutível, pois deve ser bem melhor ter na maturidade ou na velhice uma alma adequada, o que não significa mofada e áspera.
Por que a juventude seria a melhor fase da vida, como se jovem não tivesse problemas e sofrimentos, doenças e perdas, e não lutasse contra enormes pressões da família, da turma, da sociedade, para ser e agir dessa ou daquela forma? O número de adolescentes que se suicidam ou tentam se matar é muito maior do que imaginamos.
Lembro que há muitos anos um adolescente conhecido se matou. Naquela ocasião, um menino de sua turma me disse em voz baixa, olho arregalado: “Ontem ainda a gente jogou bola junto na escola, e ele não disse nada, a gente não notou nada. Será que eu devia ter percebido, perguntado? Quem sabe podia ter ajudado?” (Havia medo e aflição em seu olhar. )
Tentei explicar que não cabia ninguém mais nesse buraco negro da alma do amigo morto, embora na nossa ilusão uma palavra boa, um colo, um abraço, um pequeno adiamento, teriam podido ajudar. Quem se mata espalha ao seu redor uma zona de culpa insensata: esse fica sendo seu triste legado, talvez sua cruel vingança inconsciente.
Não notamos, não impedimos, nada fizemos, não porque não o amássemos, não nos importássemos, mas porque a gente é assim. Ou porque nada havia a ser feito, ser dito, apenas ser aceito com um rio de dúvidas e culpas pelo resto dos dias. A juventude para ele, como para tantos, não foi a melhor fase da vida: foi o fim dela, desesperado e triste.
Por outro lado, maturidade pode ter uma energia muito boa, pensamento e capacidade de trabalho estão no auge, os afetos mais sólidos e mais profundos, a capacidade de enfrentar problemas e compadecer-se dos outros mais refinada. Aliás, amadurecer devia ser refinar-se.
Passada (ou abrandada) a insegurança juvenil, é possível desafiar conceitos que imperam, desatar alguns fios que nos enredam, limpar o pó desse uniforme de prisioneiros, deixar de lado as falas decoradas, a tirania do que temos de ser ou fazer. Pronunciar a nossa própria alforria: vai ser livre, vai ser você mesmo, vai tentar ser feliz — seja lá o que isso for.
Então podemos murmurar, gritar, cantar. Podemos até dançar. Não há marcações nem roteiro, mas a inquietante possibilidade de optar: cada minuto vale, o tempo que flui mostra o valor máximo das coisas mínimas — se eu parar para observar.
Portas continuam se abrindo: não apenas sobre salas de papelão pintado, mas sobre caminhos reais. Correndo pela floresta das fatalidades, encontramos clareiras de construir. De se renovar, não importa a cifra indicando a nossa idade. Descobrir o que afinal se quer é essencial. É raro. É possível.
E quando alguém resolver não pagar mais o altíssimo tributo da acomodação, mas dar sentido à sua vida, verá que a bruxa dos relógios não é inteiramente má. E vai entender que o tempo não só nega e rouba com uma das mãos, mas, com a outra, oferece — até mesmo a possibilidade de, ao envelhecer, alargar ainda mais as varandas da alma.
Revista Veja  30/11/2013

domingo, 1 de dezembro de 2013

Vivido e apagado - Ferreira Gullar

             Vivido e apagado

                                        Ferreira Gullar (Folha de São Paulo, 1º de dezembro de 2013)
       Quando ouço alguém dizer que vai escrever suas memórias, fico admirado. Não sou capaz. Certa vez, me meti a fazê-lo e me dei mal, porque, do começo mesmo de minha vida, quase não me lembro de nada.
       Com razão, o leitor melhor informado pode alegar que escrevi um livro de memórias, "Rabo de Foguete", e é verdade. Mas esse livro conta apenas coisas do meu período de clandestinidade, que vivi no Rio, e os anos de exílio passados em vários países.
Quando o escrevi, em 1998, aquela parte do passado ainda estava viva em mim. Aliás, embora minha memória seja precária, tenho mais facilidade em lembrar da vida adulta do que de meus anos de menino.
          E quanto mais distante do presente, pior. De fato, do começo do começo não lembro de coisa alguma. Como disse, ao tentar resgatar esse período de minha vida, vi que não me lembrava de nada ou de quase nada.
        Não sei se isso é assim mesmo com todo mundo. Lembro-me do soalho de casa, na rua da Alegria, da janela e da platibanda das casas em frente. Um flash desligado de tudo o mais. Meu quarto escuro, quase sempre fechado. A lembrança mais distante -que não sei se é lembrança ou sonho- é uma cena, numa estrada, um automóvel enguiçado que meu pai dirigia. Era noite e havia luar. Só isso. Mas não lembro se meu pai possuía um automóvel nem que soubesse dirigir.
        Outra lembrança está associada a um odor desagradável. Era o odor de um senhor que vendia joias a domicílio -creio que, na verdade, bijuterias, e que, certa tarde, bateu em nossa porta. Minha mãe foi atendê-lo, disse-lhe que entrasse, ele sentou numa cadeira e abriu a sua pequena maleta em cima dos joelhos. Curioso, aproximei-me e senti aquele odor azedo e insuportável que emanava de dentro de seu paletó.
         Esse cheiro me marcou tanto que, toda vez que da janela o via passar na rua, tinha vontade de vomitar. Por isso, o associei a um urubu, muito embora nunca tivesse sentido o cheiro dessa ave. Mas um bicho que come carniça só pode cheirar mal.
        Lembro-me às vezes das aulas na casa de Dona Elvira. Sua casa era a escola, onde eu, minhas irmãs e outras crianças estudávamos. Dessa casa, não sei por que, fui para a casa de outra professora, na rua dos Prazeres. Só mais tarde, meu pai me matriculou no Colégio São Luís de Gonzaga, o melhor da cidade, onde concluí o curso primário.
Daí, o que mais me lembro, além das orações, são as moscas que voejavam acima de minha cabeça, atraídas pelas feridas que eu tinha ali. Eu as espantava com as mãos, mas elas voltavam.
        Acredito que a parte de minha vida de que mais lembranças tenho é da quitanda de meu pais, onde passava a maior parte do tempo, quando não ia à escola, ajudando no atendimento aos fregueses, particularmente aqueles que vinham tomar cachaça ou meladinha, mistura de tiquira com mel de abelha.
Mas o bom mesmo eram as conversas do pessoal, como Zé Dedão e o sargento Gonzaga, que saía sempre meio bêbado ao anoitecer. Meu pai participava ativamente da conversaria, e quase sempre fazendo piadas a respeito das histórias que ouvia, dando a entender que era tudo mentira.
         Era a época da Segunda Guerra Mundial, em que o Brasil se envolveu. O noticiário, que o rádio transmitia, atraía a atenção de todos. Meu pai ligava o rádio, chamava o pessoal para ouvir as notícias, em meio às descargas da péssima sintonia. Ele afirmava que aquelas descargas eram tiros dos soldados guerreando. Não sei se acreditava no que dizia, se falava a sério ou de gozação. Mas o pessoal acreditava piamente.
Fora essas lembranças, guardei as de nossa casa na rua Celso de Magalhães, quase na Quinta dos Medeiros. Lembro da família à mesa do jantar, as irmãs cochichando e Bizuza resmungando por não se sabe o quê.
         Mas particularmente me lembro das saúvas, que se instalaram no chão do quintal. O ninho ficava no fundo da terra, mas elas saíam em fila para buscar recortes de folhas que eram a alimentação da tribo.
         Como havia uma lenda de que onde tem formiga tem dinheiro enterrado, convoquei as irmãs para descobrir esse tesouro. Cavamos, cavamos e não achamos nada. Tudo o que me veio dessa trabalheira foi um poema -poema concreto- que é uma evocação daquela aventura infantil.
ferreira gullar
Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Ser feliz?

A Idade de Ser Feliz

Existe somente uma idade para a gente ser feliz,
somente uma época na vida de cada pessoa
em que é possível sonhar e fazer planos
e ter energia bastante para realizá-las
a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.

Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente
e desfrutar tudo com toda intensidade
sem medo, nem culpa de sentir prazer.

Fase dourada em que a gente pode criar
e recriar a vida,
a nossa própria imagem e semelhança
e vestir-se com todas as cores
e experimentar todos os sabores
e entregar-se a todos os amores
sem preconceito nem pudor.

Tempo de entusiasmo e coragem
em que todo o desafio é mais um convite à luta
que a gente enfrenta com toda disposição
de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO,
e quantas vezes for preciso.

Essa idade tão fugaz na vida da gente
chama-se PRESENTE
e tem a duração do instante que passa.
desconhecido

sábado, 16 de novembro de 2013

SÓ DE SACANAGEM...

SÓ DE SACANAGEM

                                                                                                                Elisa Lucinda

            Meu coração está aos pulos, quantas vezes minha esperança será posta à prova? Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar; malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles, dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais...
             Quantas vezes meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venham quebrar no nosso nariz, meu coração tá no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha vó e os justos que os precederam. Não roubarás, devolva o lápis do coleguinha, esse apontador não é seu minha filha.

             Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar, até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste, esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois  bem, se mexerem comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear, mais honesta ainda eu vou ficar, só de sacanagem, dirão: deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba. E eu vou dizer: não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez, eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambal. Dirão: É inútil, todo mundo aqui é corrupto! Desde o primeiro homem que veio de Portugal. E eu direi: Não admito, minha esperança é imortal e eu repito: ouviram? IMORTAL, sei que não dá para mudar o começo, mas se a gente quiser, vai dá para mudar o final.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Música para reflexão...

Índios

Legião Urbana

Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha
Quem me dera ao menos uma vez
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano de chão
De linho nobre e pura seda
Quem me dera ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente
Quem me dera ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer
Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Quem me dera ao menos uma vez
Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
Sua maldade, então, deixaram Deus tão triste
Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim
E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi
Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes
Quem me dera ao menos uma vez
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos, obrigado
Quem me dera ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente
Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim
E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi
Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui

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