Hoje é dia do
índio: e tem o que ser comemorado?
Alice Pataxó
seg., 19 de abril de 2021 4:00 - 4 minuto de leitura
O dia do índio é dia de lembrar que todo dia é dia
dos Povos Indígenas e que a luta destes é diária (Foto: Instagram/Alice Pataxó)
Certa vez, Ailton Krenak questionou em entrevista:
"Por que se comemora a presença do índio em território brasileiro, ou se
faz um esforço para que o índio seja lembrado e até exaltado a todo dia 19 de
abril se o índio incomoda tantos cidadãos brasileiros? Por que comemorar?".
E é desse questionamento que partiremos.
Como surgiu o dia do índio?
O dia do índio nasce do Congresso Indigenista
Interamericano em Abril de 1940, realizado em Patzcuaro no México. Participaram
os seguintes países, com seus representantes:
·
México: Luis Chavez Orozco, chefe do Departamento
de Assuntos Indígenas do México e coordenador do Congresso Interamericano.
·
Colombia: César Uribe Piedrahíta, um do delegados
oficiais;
·
Chile: Venancio Coñuepán Huenchual, ascendência
mapuche, deputado e ministro da República do Chile. Foi o diretor de Assuntos
Indígenas;
·
Bolivia: Antonio Díaz Villamil, escritor e
historiador; ocupou o cargo de Diretor Geral de Educação;
·
Brasil: Edgar Roquette Pinto, membro do Conselho
Nacional do Serviço de Proteção ao Índio (SPI); Equador: Pío Jaramillo Alvarado
e Víctor Gabriel Garcés;
·
Estados Unidos: John Collier e os antropólogos John
Cooper, Sophie Bledsoe Aberle e Matthew Stirling;
·
México: Además de Chávez Orozco, Moisés Sáenz
Garza, um dos promotores do encontro, secretário da Comissão Organizadora e
Vicente Lombardo Toledano, secretario da Confederação dos Trabalhadores do
México;
·
Panamá: Rubén Pérez Cantule, etnia cuna;
·
Peru: José Angel Escalante, presidente da delegação
peruana e ex-prefeito de Cuzco em 1919 e ministro da Justiça em 1930; Luis
Eduardo Valcárcel Vizcarra, antropólogo e pesquisador do pré-hispânico no Peru;
José Uriel García, educador peruano; José María Arguedas, escritor e
antropólogo.
A reunião de líderes políticos deixou os indígenas
desconfiados de que mais uma vez houvesse uma tentativa de aproximação sem
conversas envolvendo os povos, o que gerou um afastamento dos próprios
indígenas, que temiam pela segurança dos líderes indígenas, e em um primeiro
momento não toparam participar do evento.
Por
que dia 19 de abril?
Mas no dia 19 de abril, os indígenas aceitaram se
unir aos líderes políticos que estavam reunidos no México em busca da
participação por representatividade na tomada de decisões. Com a participação
indígena a partir daquela data, acordos foram feitos e a maioria dos países
presentes se comprometeu em acatar a luta por respeito e igualdade de direitos
dos Povos.
Quando se fala em respeito, se fala em respeito à
identidade e cultura, e estabelecer o dia do índio no dia 19 de abril foi um
marco para simbolizar esse acordo. Porém, apenas no dia 2 de junho de 1943,
três anos depois do acordo feito no México, o então presidente do Brasil,
Getúlio Vargas assinou o decreto nº 5.540, instaurando o dia 19 de Abril o dia
do “índio”.
Há
motivo para comemorar o dia do índio?
Então voltamos a pergunta: por que comemorar? Qual
motivo leva o Brasil a comemorar o dia do “índio”? Uma história fantasiosa.
Brasil afora, a população que se espalha pelos atuais 26 estados e Distrito
Federal pouco sabem sobre os Povos originários desta terra, pouco falam de sua
diversidade e luta, sequer sabem seus nomes, ou seu verdadeiros nomes, importante
dizer, em sua própria línguas.
Por que falamos índio diante de tanta diversidade
entre esses Povos? Diante da certeza de que esses são os donos da terra em que
hoje está o Brasil e não “índios” como imaginou Cabral desejando chegar a Índia
em 1500. Somos os Povos Indígenas, aqueles que habitam a terra antes de sua
colonização, aqueles que são diversos, em línguas, cores, culturas, espiritualidades
e sexualidades.
Existe muito mais beleza na diversidade indígena
brasileira do que na história inventada sem cores e escrita por brancos.
Um mês ignorante de conhecimento se transforma em
desfile de falsos cocares e pinturas nas escolas, que reforçou por anos um
estereótipo, e que pela mão manchada de ucrucum e jenipapo de indígenas está
sendo transformado em um ato de resistência, de sobrevivência e de
informação.
Começou há muitos anos o Abril Indígena, uma
lembrança de que todo dia é dia dos Povos indígenas, e assim construímos uma
nova história uma história de outros 500 anos de resistência, muito mais do que
comemoração vazia.