O pecado da
intolerância
"Nossa
postura diante do inesperado, do diferente, raramente é de atenção, abertura,
escuta. Pouco nos interessam os motivos, o bem, as angústias e buscas, direitos
e razão de quem infringe as regras
da
nossa acomodação, frivolidade ou egoísmo"
Numa escola de uma capital brasileira, alguns pais reclamam com a
direção: não querem seus filhos estudando ao lado de dois meninos estrangeiros,
de um país que consideram "atrasado e fanático". A direção, a meu ver
pecando por compactuar com a intolerância, agravada pelo fato de envolver crianças,
pede aos pais que resolvam o assunto entre eles. Resultado: os pais dos meninos
estrangeiros, pressionados de um lado e desamparados de outro, tiram os filhos
da escola. Diga-se que o pai em questão é um executivo com um currículo
invejável e a mãe, professora universitária. Mas, ainda que fossem pessoas
simples, seus direitos teriam sido igualmente feridos.
Num restaurante de classe média, pessoas torcem o nariz e pagam a
conta antecipadamente, sem concluir a refeição, porque na mesa ao lado senta-se
um casal negro, com uma filha e um filho adolescentes. Ninguém comenta ou
reclama de que se trata de uma demonstração criminosa de racismo, não
comprovável, mas evidente. A adolescente discriminada põe-se a chorar e pede
aos pais para irem embora também. A família comemorava ali o 14º aniversário
dela.
Um rapaz decide largar os estudos superiores e empregar-se numa
empresa decente. O salário não é alto, mas a situação lhe convém: ele prefere
experiência a diploma, e é isso que lhe está sendo oferecido. O pai resolve não
falar mais com ele, nega-lhe qualquer ajuda monetária, e só não o expulsa de
casa devido aos apelos da mãe. Porém, em todas as ocasiões em que é possível,
deixa claro que o filho é "a sua grande decepção".
Uma mulher decide sair de um casamento infeliz e pede a separação.
O marido, que certamente também não está feliz, recusa qualquer combinação
amigável e quer uma separação litigiosa. As duas filhas moças tomam o partido
do pai, como se de repente a mãe que delas cuidara por mais de vinte anos
tivesse se transformado em alguém desprezível, irreconhecível e inaceitável.
Nenhuma das duas lhe pergunta os seus motivos; ninguém deseja saber de suas
dores; nenhuma das duas jovens mulheres lhe dá a menor chance de explicação, o
menor apoio. Parece-lhes natural que, diante de um passo tão grave da parte de
quem as criara, educara, vestira, acarinhara e acompanhara devotadamente por
toda a vida, fosse negado qualquer apoio, carinho e respeito.
Os casos se multiplicam, são muito mais cruéis do que estes,
existem em meu bairro, em seu bairro. Nossa postura diante do inesperado, do
diferente, raramente é de atenção, abertura, escuta. Pouco nos interessam os
motivos, o bem, as angústias e buscas, direitos e razão de quem infringe as
regras da nossa acomodação, frivolidade ou egoísmo. Queremos todos os
privilégios para nós, a liberdade, a esperança. Para os outros, mesmo se antes
eram muito próximos, queremos a imobilidade, a distância. Cassamos sem respeitar
os seus direitos humanos mais básicos. A intolerância, que talvez não conste no
índex das religiões mais castradoras, é com certeza um feio pecado capital. Do
qual talvez nenhum de nós escape, se examinarmos bem.
Lya
Luft
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