Luta do Chile contra doces e gordura desperta
interesse de outros países
País
aumentou impostos sobre junk food, mudou embalagens e restringiu publicidade;
Uruguai, Peru e Canadá podem replicar modelo
Josh
Jacobs
Nas
últimas décadas, os alimentos açucarados proliferaram e a obesidade disparou no
Chile. Ativistas da saúde vinham apelando por uma solução há anos. Agora, o
governo do país está implementando uma das campanhas mais radicais já
empreendidas contra a "junk food", usando um modelo que
reformistas esperam que possa influenciar outros países.
Uma
nova lei limita o uso de desenhos de apelo infantil nas embalagens de alimentos
e a venda de produtos alimentícios não saudáveis nas escolas, restringe a
publicidade televisiva, proíbe brinquedos promocionais e torna obrigatório o
uso de rótulos de advertência grandes e pretos, semelhantes aos usados nos
cigarros, para identificar produtos com alto teor de sal, gordura saturada e
açúcar, e de contagem calórica elevada.
"Se
você mudar os hábitos de alimentação, poderá reduzir os ataques cardíacos,
câncer, diabetes e pressão alta", disse o senador chileno Guido Girardi,
médico e antigo presidente do Senado de seu país, que vinha pressionando por
essas leis há mais de uma década. "O Chile é um laboratório experimental
para essas políticas".
Análises iniciais sugerem que a campanha está
funcionando. Os novos rótulos reduziram em 11% a probabilidade de
que os consumidores escolham cereais de alto teor de açúcar para o café da
manhã, e o consumo de sucos açucarados caiu em quase 24%, de acordo com
estimativas de pesquisadores da Universidade do Chile em 2018. O consumo mensal
das bebidas açucaradas visadas caiu em quase 22% depois que o tributo começou a
ser aplicado, em 2014, de acordo com um estudo de acadêmicos da Universidade de
York, no Reino Unido, em colaboração com colegas da Universidade do Chile.
"Nossos
resultados indicam uma redução geral no consumo de açúcar depois que o imposto
foi implementado no Chile", disse Cristóbal Cuadrado Nahum, professor de
saúde pública na Universidade do Chile e um dos coautores do estudo,
acrescentando que isso deveria "animar" outros países. "Da
perspectiva da saúde pública, mesmo uma redução pequena no consumo de açúcar...
pode levar a avanços de saúde significativos".
Desde
a década de 1990, começou a subir o consumo de alimentos industrializados,
açucarados e processados no Chile, o que Girardi culpa pela grande alta na
obesidade e nas doenças e mortes associadas à dieta, entre os cidadãos do país.
Os chilenos consomem mais bebidas açucaradas per capita do que os cidadãos de
qualquer outro país, de acordo com uma pesquisa publicada em 2015 pela revista
médica The Lancet.
Impostos
sobre alimentos pouco saudáveis estão proliferando em países como o México e a
Hungria, a Tailândia e o Reino Unido, que buscam combater a obesidade. Alguns
deles são acoplados a medidas de incentivo, como o imposto sobre bebidas
açucaradas introduzido em 2016 pelo governo municipal de Filadélfia, nos
Estados Unidos, que prometeu direcionar o dinheiro arrecadado a iniciativas públicas
como creches e escolas comunitárias.
"Os
impostos sobre as bebidas açucaradas tiveram um efeito dominó, e os dominós
continuam a cair [à medida que os países seguem o exemplo dos
precursores]", disse Corinna Hawkes, diretora do Centro de Política de Alimentação
da Universidade de Londres (City).
Mas
impostos podem não bastar para reduzir os problemas de saúde. No mês passado,
Hawkes coescreveu um relatório no qual dezenas de especialistas internacionais
em nutrição apelam por um tratado mundial para regulamentar os alimentos não
saudáveis, pelo redirecionamento dos subsídios hoje dirigidos à produção de
carne vermelha e milho, e por uma elevação de impostos, em um esforço para
mudar o comportamento dos consumidores em favor de alimentos mais saudáveis e
menos poluentes.
"Essa
meta representa uma aspiração", disse William Dietz, especialista em
obesidade e professor de saúde pública na Universidade George
Washington, um dos coautores do relatório. "Não temos ilusão de que chegar
lá será fácil".
Ele
menciona o Chile como exemplo de combinação de impostos e regulamentação forte
pelo governo a fim de tentar mudar a demanda, limitar a influência política das
grandes empresas de alimentos e pressioná-las a mudar seus produtos para que
contenham menos ingredientes não saudáveis.
Os
impostos muitas vezes afetam as comunidades pobres de maneira desproporcional,
mas as doenças relacionadas à obesidade também são muito mais prevalentes entre
os pobres, que se beneficiariam desses impostos. Ele apela por uma combinação
de impostos como esses, subsídios para alimentos mais saudáveis e
regulamentação internacional para restringir o marketing —mais ou menos como
fez o Chile.
Enquanto
isso, na capital chilena, Santiago, a luta continua. Dentro de alguns meses,
vai ser reduzido o patamar a partir do qual o teor de açúcar, sal e gordura,
bem como o valor calórico, de um produto requer tarja preta na embalagem. O
senador Girardi está fazendo campanha para que água seja servida gratuitamente
em restaurantes e escolas, a fim de desencorajar o consumo de bebidas
açucaradas, e também quer subsídios para as frutas e verduras.
O
senador diz que já viu sinais de interesse da parte de outros países da América
Latina, entre os quais Uruguai e Peru, e também de interesse internacional de
fora da região, por exemplo da parte do Canadá. Ele acredita que será mais
fácil impor mudanças de leis nos países latino-americanos porque "os
lobbies das grandes empresas de comida não são tão fortes quanto na Europa e
Estados Unidos". Mesmo assim, ele está esperançoso de que os experimentos
em curso no seu continente influenciem positivamente as políticas de outras
regiões.
"Acredito
que se outros países da América Latina conseguirem aprovar essas leis [e se as
pessoas virem seus resultados], elas terminarão por se tornar obrigatórias em
todo o mundo", disse Girardi.
No
Brasil, restaurantes e redes de fast food devem entrar na mira de uma nova
regulamentação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para
reduzir o consumo de gordura trans no país.