quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Seja a mudança

SEJA A MUDANÇA
Denis Russo Burgierman
A frase é de Gandhi: “seja a mudança que você quer ver no mundo”.

Não, não esqueci do que aprendi na faculdade de jornalismo: jamais começar um texto citando Gandhi, Einstein ou Chaplin se você quer ser levado a sério neste mundo cínico. Sim, esse pessoal fala coisas bonitas, mas eles não são “pragmáticos”. São “ingênuos”, desconectados das realidades do mercado, ignorantes das sujeiras da política, sonhadores, poetas, bobocas.
Mas não resisti. Lembrei de Gandhi quando estava lendo um outro autor, Clay Shirky, um teórico dedicado a entender as mudanças que estão acontecendo no mundo hoje em dia (autor do ótimo livro na foto acima). Shirky tem uma tese interessante: a de que, quando uma grande revolução acontece, as velhas estruturas desabam rapidinho, mas demora anos, às vezes décadas, para as novas estruturas surgirem (quando Gutenberg inventou a imprensa, os escribas reclamaram por décadas da baixa qualidade da escrita que isso provocou).
É exatamente isso que está acontecendo hoje em dia. Instituições antigas, aparentemente eternas, estão desabando – os grandes jornais do mundo estão em crise de identidade, a indústria automobilística está tendo que se reinventar, os governos têm que redefinir sua atuação, as profissões mudam todos os dias. Estamos perdidos, sem referências, sem ter no que acreditar. As ideologias do século 20 se transformaram em teorias sem conexão com o mundo real.
Isso é tremendamente angustiante. De repente, tudo aquilo em que acreditávamos está evaporando. O mundo está mudando tão rápido, todos os dias, que fica difícil ter crenças. Fica difícil saber o que é certo e o que é errado. E os cínicos – esse pessoal que adora apedrejar qualquer um que esteja bem intencionado – fazem a festa no meio da confusão.
Mas o fato é que viver no meio de uma revolução, se por um lado é complicado, é também um baita privilégio. Significa que vivemos uma época de construir coisas, de criar, de propor. Não é hora de ser cínico. Não temos tempo para isso. Nossa geração tem um papel fundamental: o de criar as estruturas sobre a qual se assentará nosso novo modelo de sociedade.
Esse trabalho – o de reconstruir o mundo – é um empreendimento coletivo. Nesse mundo de hoje, absurdamente fragmentado, no qual qualquer pessoa tem acesso ao resto do mundo via internet, todos têm um papel – não apenas os políticos, os empresários, os intelectuais, os “líderes”. Todos nós estamos envolvidos no projeto coletivo e inevitável de mudar o mundo.
O mais divertido é que não há cartilha para seguir. Ninguém sabe para onde ir. Depois da queda do muro de Berlim, do colapso do clima e da crise mundial, restou apenas uma certeza: a de que precisamos de um rumo novo. Que rumo é esse? Cabe a cada um de nos propor. O resultado, imprevisível, será a combinação de bilhões de contribuições.
Nosso papel então é imaginar o que queríamos que o mundo fosse e trabalhar para implantar essa visão. No final, certamente o mundo não vai ser como eu quero, ou como você quer. Mas cada um de nós tem a capacidade de empurrar um pouquinho a História para o lado que prefere. Tem gente fazendo isso em tempo integral, trabalhando por uma causa, por uma ideia, por uma inovação, por um projeto. Tem gente fazendo isso de noite, depois de voltar do trabalho. Tem gente fazendo isso nas horas de lazer. Tem gente fazendo isso nas relações pessoais, na vida em família, no bairro, no trânsito.
Tem gente fazendo coisas imensas, importantes, transformadoras. Tem gente colaborando com o pouquinho que está ao seu alcance. Eu, por exemplo, sinto-me bem ao andar de bicicleta em São Paulo porque sei que, estatisticamente, quanto mais bicicletas houver na rua, mais seguro o trânsito será para todos os ciclistas. Temos esse poder: o de alterar a paisagem. Cada novo ciclista na rua melhora a vida dos outros.
É uma contribuição minúscula, mas é isso que nos resta neste mundo, e devíamos ficar satisfeitos. É uma boa notícia. Não há maiores ideologias. Não há maiores autoridades. Só o que há é isso: um conjunto de bilhões de pessoas, cada uma delas modificando um pouquinho a paisagem. Se a maioria de nós ficarmos imobilizadas pela ansiedade e pelo olhar crítico dos cínicos, construiremos pouco. Se cada um fizer seu pouquinho, temos boas chances de ficarmos bem orgulhosos do resultado.

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