terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Vamos ler????



SE A TERRA NÃO EXISTISSE, A GENTE PISAVA ONDE?


 T 


ênis é de lona e borracha. Cueca é de pano e elástico. Caderno é de arame e folha de papel. Televisão é de plástico com uma antena em cima e uma tela na frente.
Casa é feita de telhado, parede, piso, porta e janela. Vaca é de couro, chifre e quatro tetas pingando leite. Cachorro é um ônibus peludo cheio de pulgas. Ser humano é feito de carne, osso, coração e idéias na cabeça.
            E o mundo em que vivemos?
            O mundo é um monte de terra cercada de água por todos os lados.
            A água é o mar, o rio, o lago, a chuva, a poça, a lágrima e o cuspe.
            A terra é a terra mesmo.
            Tem gente que pensa que terra só serve para cavar buraco no chão, para ser hotel de minhoca, para enfiar poste de luz ou então para sujar o pé de lama em dia de chuva, mas não é nada disso.
            Se não fosse a terra, a gente pisava onde?
            Se não fosse a terra, a gente construía nossa casa onde?
            E as cidades? E as estradas? E os campinhos de futebol?
            Sem a terra a gente não ia jogar bola nunca mais!
            Uma vez eu tive um sonho. Sonhei que estava dormindo com vontade de fazer xixi. Continuei sonhando e pulei da cama. Pobre de mim! Quando pisei no chão, descobri que naquele sonho não existia chão. Lá fui eu caindo, despencando, voando, esvoaçando. O mundo ali era um lugar sem terra, por isso tudo vivia boiando no ar. Saí do quarto, fui voejando, passei pela sala cheia de cadeiras, móveis e mesas voando e cheguei no banheiro. Lá dentro, o chuveiro, a pia e a privada pareciam umas coisas brancas flutuando no espaço. Fui tentar fazer xixi, mas a privada não parava quieta. A vontade apertava cada vez mais. Tentei fazer pontaria, caprichei na mira, mas não deu. No fim, o sonho acabou. Acordei todo molhado com meu irmão, lá embaixo, gritando socorro. Acontece que a gente dorme em cama beliche, eu em cima e ele embaixo.
            Meu irmão me xingou de tudo quanto foi nome. Expliquei a ele que se fosse a terra firme o beliche estaria voando e aí, sim, ia ser muito pior.
            Pensando bem, a terra é a coisa mais importante do mundo em que vivemos. Ele é o solo, o chão, a gleba, o piso, o porto, o lugar onde a gente fica em pé e constrói a vida.
            Para falar a verdade, a terra é uma espécie de mãe. A mãe de todos nós.
            De onde vêm as árvores para dar sombra e segurança? Da terra.
            De onde vêm as frutas para a gente chupar? Da terra.
            De onde vem a nascente do rio? E a flor? E o passarinho? E a onça? E a tartaruga? E a borboleta? E o macaco? E o besourinho? E todos os bichos do mundo inteiro menos os peixes e as estrelas-do-mar?
            Sem a terra, não ia ter nem milho, laranja, caqui, jabuticaba, banana, pêra, uva, cacau, pitanga, mexerica, romã, maçã, abacate, melancia, abacaxi, nem amendoim nem nada.
            O mundo ia ser só um monte de coisa nenhuma cercado de água para todos os lados.
            Mas a terra tem seus truques. Ela não gosta de ser maltratada, não senhor!
            Quando fazem queimadas ou destroem o mato ou  enchem o chão de lixo e porcaria a terra fica triste vira deserto, corpo árido, seco, estéril, que não dá mais nada.
            Ela, que era generosa, formosa, úmida, florida, risonha, fofa, macia, fértil, cheia de sombra, cheia de perfume, cheia de riachinhos, borboletas, besourinhos, bichinhos e bichões, de repente fica tão dura e rachada que só consegue inventar pó, areia e desolação.
            Se a terra fosse um deserto ia ter chão, mas como a gente ia ficar?

Conto de Ricardo Azevedo

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Um marco no Romantismo...



José de Alencar

Romancista, jornalista, advogado e político brasileiro

José de Alencar (1829-1877) foi romancista, dramaturgo, jornalista, advogado e político brasileiro. Foi um dos maiores representantes da corrente literária indianista. Destacou-se na carreira literária com a publicação do romance "O Guarani", em forma de folhetim, no Diário do Rio de Janeiro, onde alcançou enorme sucesso. Seu romance "O Guarani" serviu de inspiração ao músico Carlos Gomes, que compôs a ópera O Guarani. Foi escolhido por Machado de Assis, para patrono da Cadeira nº 23, da Academia Brasileira de Letras.
José de Alencar consolidou o romance brasileiro, ao escrever movido por sentimento de missão patriótica. O regionalismo presente em suas obras, abriu caminho para outros sertanistas, preocupados em mostrar o Brasil rural.
José de Alencar criou uma literatura nacionalista onde se evidencia uma maneira de sentir e pensar tipicamente brasileiras. Suas obras são especialmente bem sucedidas quando o autor transporta a tradição indígena para a ficção. Tão grande foi a preocupação de José de Alencar em retratar sua terra e seu povo que muitas das páginas de seus romances relatam mitos, lendas, tradições, festas religiosas, usos e costumes observados pessoalmente por ele, com o intuito de, cada vez mais, abrasileirar seus textos.
José de Alencar (1829-1877) nasceu em Mecejana, Ceará no dia 1 de maio de 1829. Filho de José Martiniano de Alencar, senador do império, e de Ana Josefina. Em 1838 mudam-se para o Rio de Janeiro. Com 10 anos de idade ingressa no Colégio de Instrução Elementar. Com 14 anos vai para São Paulo, onde termina o curso secundário e ingressa na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Em 1847 escreve seu primeiro romance "Os Contrabandistas". Em 1950 conclui o curso de Direito. Pouco exerceu a profissão. Ingressou no Correio Mercantil em 1854. Na seção "Ao Correr da Pena" escreve os acontecimentos sociais, as estréias de peças teatrais, os novos livros e as questões políticas. Em 1856 passa a ser o redator chefe do Diário do Rio de Janeiro, onde em 1 de janeiro de 1857 publica o romance "O Guarani", em forma de folhetim, alcançando enorme sucesso, e logo é editado em livro.
Em 1858 abandona o jornalismo para ser chefe da Secretaria do Ministério da Justiça, onde chega à Consultoria. Recebe o título de Conselheiro. Nessa mesma época é professor de Direito Mercantil. Foi eleito deputado pelo Ceará em 1861, pelo partido Conservador, sendo reeleito em quatro legislaturas. Na visita a sua terra Natal, se encanta com a lenda de "Iracema", e a transforma em livro.
Famoso, a ponto de ser aclamado por Machado de Assis como "o chefe da literatura nacional", José de Alencar morreu aos 48 anos no Rio de Janeiro vítima da tuberculose, em 12 de dezembro de 1877, deixando seis filhos, inclusive Mário de Alencar, que seguiria a carreira de letras do pai.

Obras de José de Alencar


Cinco Minutos, romance, 1856;
Cartas Sobre a Confederação dos Tamoios, crítica, 1856;
O Guarani, romance, 1857;
Verso e Reverso, teatro, 1857;
A Viuvinha, romance, 1860;
Lucíola, romance, 1862;
As Minas de Prata, romance, 1862-1864-1865;
Diva, romance, 1864;
Iracema, romance, 1865;
Cartas de Erasmo, crítica, 1865;
O Juízo de Deus, crítica, 1867;
O Gaúcho, romance, 1870;
A Pata da Gazela, romance, 1870;
O Tronco do Ipê, romance, 1871;
Sonhos d'Ouro, romance, 1872;
Til, romance, 1872;
Alfarrábios, romance, 1873;
A Guerra dos Mascate, romance, 1873-1874;
Ao Correr da Pena, crônica, 1874;
Senhora, romance, 1875;
O Sertanejo, romance, 1875.

Os bolsos do morto

Os bolsos do morto
 Luis Fernando Verissimo

O morto não é exatamente um amigo. Mais um conhecido, mas daqueles que você não pode deixar de ir ao velório. E lá está ele, estendido dentro do caixão forrado de cetim, de terno azul-marinho e gravata grená, esperando para ser enterrado.
            Se fosse um amigo você ficaria em silêncio, compungido, lembrando o morto em vida e lamentando sua perda. Como é apenas um conhecido, você comenta com o homem ao seu lado – que também não parece ser íntimo do morto:
          – Poderiam ter escolhido outra gravata...
          – É. Essa está brava.
          – Já pensou ele chegando lá com essa gravata?
          – “Lá” onde?
          – Não sei. Onde a gente vai depois de morto. Onde vai a nossa alma.
          – Eu acho que a alma não vai de gravata.
          – Será que não? E de fatiota?
          – Também não. – Bom. Pelo menos esse vexame ele não vai passar.
          – Você é da família? – Não. Apenas um conhecido.
          Você examina o morto. Engraçado: ele vai partir para a viagem mais importante, e mais distante, da sua vida, mas não precisa carregar nada. Identidade, passaporte, nada. Nem dinheiro, o que dirá cheques de viagem ou cartões de crédito. Nem carteira!
         Você diz para o outro:
         – A coisa mais triste de um defunto são os bolsos.
        O outro estranha. – Como assim?
       – Os bolsos existem para ele carregar coisas. Coisas importantes, que definem a sua vida. CPF, licença para dirigir, bloco de notas, caneta, talão de cheques, remédio pra pressão...
       – Pepsamar.
       – Pepsamar, cartão perfurado da sena, recortes de artigos sobre a situação econômica, fio dental... Isso sem falar em coisas com importância apenas sentimental. Por exemplo: um desenho rabiscado por uma possível neta que parece, vagamente, um gato, e que ele achou genial e guardou. Entende?
       – Sei...
       – E aí está ele. Com os bolsos vazios. Despido da vida e de tudo que levava nos seus bolsos, e que o definia. O homem é o homem e o que ele leva nos bolsos. Poderiam ter deixado, sei lá, pelo menos um chaveiro.
      – Você acha?
      – Claro. As chaves da casa. As chaves do carro. Qualquer coisa pessoal, que pelo menos fizesse barulho num bolso da fatiota, pô!
       Você se dá conta de que está gritando. As pessoas se viram para reprová-lo. “Mais respeito”, dizem as caras viradas. Você faz um gesto, pedindo perdão. Sou apenas um conhecido, desculpem. Mas continua, falando mais baixo:
      – A morte é um assaltante. Nos mata e nos esvazia os bolsos.
     – Sem piedade. – Nenhuma.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Vamos passear no mundo de Fernando Sabino



ÚLTIMA CRÔNICA

                A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer um flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num incidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
                Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba se sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acentuar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
                Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
                A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de coca-cola e pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo  que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa a um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforo, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
                São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a coca-cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “parabéns pra você, parabéns pra você...” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente  o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo, limpa o farelo de bolo que lhe cai no colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. De súbito, dá comigo a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria a minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
                (Fernando Sabino)

domingo, 17 de fevereiro de 2013

E vamos sonhar...





SONHOS...


    F

inalmente os computadores chegaram à escola. Os alunos olharam para eles com orgulho, curiosidade e respeito.
            Naquela noite, Marilena foi dormir feliz. Muito romântica, sonhava com um príncipe encantado e, para ela, o computador era como um super-héroi. Acreditava que ele transformaria sua vida.
“Mas como? Não entendo nada de computação...” – pensou, insegura. E, para espantar a preocupação, virou-se na cama.
            De repente, ouviu um ruído estranho. Olhou para o canto do quarto e... iluminado por uma luz azulada, lá estava ele: o computador. Intrigada, a menina levantou-se, aproximou-se, pé ante pé, e qual não foi seu espanto quando surgiu na tela um jovem simpático que foi se apresentando:
-          Oi, Marilena! Prazer, eu sou o S.O.
-          Oi! – respondeu ela, bastante surpresa. E pensou: “S.O.? Só espero que não seja Serapiano Osmundo...”
Como se tivesse adivinhado, o rapaz explicou:
-          S.O., de “Sistema Operacional”, viu? E foi você mesma que me escolheu...
Sorrindo ao perceber o olhar de espanto da garota, S.O. completou: - ... para coordenar os trabalhos aqui.
A menina sorriu encabulada e tentou fingir que sabia da existência de outros “sistemas operacionais” e da possibilidade de escolher entre eles. Depois, resolveu confessar:
-          É, é... que nunca tive um – gaguejou ela.
E comentou, preocupada:
-          Computador... parece só para homem...
Aí foi a vez de S.O. ficar admirado:
-          Para homem? Você nunca ouviu falar de Ada Lovelace? Em meados do século 19, Ada criou o primeiro programa de computador. Ela foi a primeira programadora do mundo!
-          Nessa época já existia computador? – perguntou a menina, surpresa.
-          Bem, computador, computador... – hesitou ele. – Os programas de Ada eram pra ser usados num avô dos micros... um precursor do computador, planejando por Charles Babbage, um matemático e cientista meio maluco.
E o rapaz acrescentou com um olhar sedutor:
-          Dizem que eles eram apaixonados.
Para Marilena, descortinaram-se novas perspectivas.
E ela sorriu.

Conto de Edith Modesto

  Professora lista 5 dicas para não se perder na hora de estudar atualidades Querer estudar cada desdobramento de cada grande acontecimento ...