DEGRAUS DA ILUSÃO
Lya Luft
Fala-se
muito na ascensão das classes menos favorecidas, formando uma “nova classe
média”, realizada por degraus que levam a outro patamar social e econômico
(cultural, não ouço falar). Em teoria, seria um grande passo para reduzir a
catastrófica desigualdade que aqui reina.
Porém receio
que, do modo como está se realizando, seja uma ilusão que pode acabar em sérios
problemas para quem mereceria coisa melhor. Todos desejam uma vida digna para
os despossuídos, boa escolaridade para os iletrados, serviços públicos ótimos
para a população inteira, isto é, educação, saúde, transporte, energia
elétrica, segurança, água, e tudo de que precisam cidadãos decentes.
Porém, o que
vejo são multidões consumindo, estimuladas a consumir como se isso constituísse
um bem em si e promovesse real crescimento do país. Compramos com os juros mais
altos do mundo, pagamos os impostos mais altos do mundo e temos os serviços
(saúde, comunicação, energia, transportes e outros) entre os piores do mundo.
Mas palavras de ordem nos impelem a comprar, autoridades nos pedem para
consumir, somos convocados a adquirir o supérfluo, até o danoso, como botar
mais carros em nossas ruas atravancadas ou em nossas péssimas estradas.
Além disso,
a inadimplência cresce de maneira preocupante, levando famílias que compraram
seu carrinho a não ter como pagar a gasolina para tirar seu novo tesouro do pátio
no fim de semana. Tesouro esse que logo vão perder, pois há meses não conseguem
pagar as prestações, que ainda se estendem por anos.
Estamos
enforcados em dívidas impagáveis, mas nos convidam a gastar ainda mais, de
maneira impiedosa, até cruel. Em lugar de instruírem, esclarecerem, formarem
uma opinião sensata e positiva, tomam novas medidas para que esse consumo
insensato continue crescendo – e, como somos alienados e pouco informados,
tocamos a comprar.
Sou de uma
classe média em que a gente crescia com quatro ensinamentos básicos: ter seu
diploma, ter sua casinha, ter sua poupança e trabalhar firme para manter e,
quem sabe, expandir isso. Para garantir uma velhice independente de ajuda de
filhos ou de estranhos; para deixar aos filhos algo com que pudessem começar a
própria vida com dignidade.
Tais
ensinamentos parecem abolidos, ultrapassadas a prudência e a cautela, pouco
estimulados o desejo de crescimento firme e a construção de uma vida mais
segura. Pois tudo é uma construção: a vida pessoal, a profissão, os ganhos, as
relações de amor e amizade, a família, a velhice (naturalmente tudo isso
sujeito a fatalidades como doença e outras, que ninguém controla). Mas, mesmo
em tempos de fatalidade, ter um pouco de economia, ter uma casinha, ter um
diploma, ter objetivos certamente ajuda a enfrentar seja o que for. Podemos ser
derrotados, mas não estaremos jogados na cova dos leões do destino, totalmente
desarmados.
Somos uma
sociedade alçada na maré do consumo compulsivo, interessada em “aproveitar a
vida”, seja o que isso for, e em adquirir mais e mais coisas, mesmo que
inúteis, quando deveríamos estar cuidando, com muito afinco e seriedade, de
melhores escolas e universidades, tecnologia mais avançada, transportes muito
mais eficientes, saúde excelente, e verdadeiro crescimento do país. Mas
corremos atrás de tanta conversa vã, não protegidos, mas embaixo de peneiras
com grandes furos, que só um cego ou um grande tolo não vê.
A mais forte
raiz de tantos dos nossos males é a falta de informação e orientação, isto é,
de educação. E o melhor remédio é investir fortemente, abundantemente,
decididamente, em educação: impossível repetir isso em demasia. Mas não vejo
isso como nossa prioridade.
Fosse o
contrário, estaríamos atentos aos nossos gastos e aquisições, mais interessados
num crescimento real e sensato do que em itens desnecessários em tempos de
crise. Isso não é subir de classe social: é saracotear diante de uma perigosa
ladeira. Não tenho ilusão de que algo mude, mas deixo aqui meu quase solitário
(e antiquado) protesto.
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