quinta-feira, 4 de julho de 2013

A estrategista...



A estrategista

       Bete especializou-se na prospecção de viúvos. Procura convites para enterro de senhoras em que o marido é um dos que convida. E em que não conste "netos". De preferência, nem "filhos". Sinal de que a mulher morreu jovem. Falecida moça, viúvo moço. Precisando de consolo imediato. O ideal é quando há mais de um convite para o enterro, quando a firma do marido também convida. E dá a posição do viúvo na vida. "Nosso gerente", óptimo. "Nosso diretor financeiro", melhor ainda. "Nosso diretor presidente", perfeito! Um diretor presidente com 40 anos ou menos é ouro puro. Segundo a Bete. Bete comercializa a sua informação. Tem uma lista de clientes. Dá instruções sobre a abordagem do viúvo, que deve começar no próprio velório. Recomenda um conjunto escuro e sóbrio, mas com um decote que mostre o rego dos seios. O rego dos seios é importantíssimo. O viúvo precisa ter uma amostra do que existe por baixo do terninho compungido já no abraço de pêsames. "O que eu digo?" Chore. Diga: "Eu não acredito." Diga: "A nossa Pixuxa." "Pixuxa?!" Era o apelido dela. Estava no convite. "A nossa Pixuxa. Certo." E não esquece de beijar perto da boca, como se fosse descuido.
          Bete não cobra muito pelo seu trabalho. Faz mais pelo desafio, pelo prazer de um desfecho feliz, cientificamente preparado. Quando consegue "colocar" uma das suas clientes, sente-se recompensada. Não é verdade que tenha informantes nos hospitais de primeira classe da cidade e que muitas vezes, quando a mulher morre, ela já tem um dossiê pronto sobre o viúvo, inclusive com situação financeira atualizada. Trabalha em cima dos convites para enterro, empiricamente, com pouco tempo para organizar o ataque. Procura se informar o máximo possível sobre o viúvo, depois telefona para uma interessada e expõe a situação. "O nome é bom. Parece que é advogado. Entre 55 e 60 anos. Aproveitável. Dois filhos, mas já devem ter saído de casa." "Entre 55 e 60, sei não..." "É pegar ou largar. O enterro é às cinco."
Bete vai junto aos velórios. Para dar apoio moral e para o caso de algum ajuste de última hora. Como na vez em que, antes de conseguir chegar no viúvo, sua pupila foi barrada pela mãe dele, que perguntou: "Quem é você?" A pretendente começou a gaguejar, e Bete imediatamente colocou-se ao seu lado. "A senhora não se lembra da Zequinha? Uma das melhores amigas da Vivi e do Momô." Era tanta a intimidade que a mãe do viúvo, embora nunca soubesse que o apelido do seu filho fosse Momô, recuou e deixou a Zequinha chegar nele, com seu rego. Foi um dos triunfos da Bete. Naquele mesmo ano, Momô e Zequinha se casaram. Alguns comentavam que tudo começara no enterro da pobre da Vivi, outros que o caso vinha de longe. Ninguém desconfia que foi tudo planejado. Que havia um cérebro de estrategista por trás de tudo.
       Bete tem medo das livre-atiradoras, das que invadem o seu território sem método, sem classe, enfim, sem a sua orientação. Quando o viúvo é uma raridade, uma pepita — menos de 40, milionário, quatro ou cinco empresas participando o infausto evento, sem herdeiros conhecidos e bonito —, Bete faz questão que sua orientada chegue cedo no velório, abrace o prospectado, expresse seu sentimento ("A nossa Ju! Eu não acredito!"), beije-o demoradamente perto da boca, por descuido, e fique ao seu lado até fecharem o caixão, alerta contra outros decotes. 

         Enquanto isso, Bete cuida da retaguarda. Observa a aproximação de possíveis concorrentes e, quando pode, barra o seu progresso em direção ao viúvo ("Por favor, vamos deixar o homem em paz"). De tanto frequentar velórios, Bete já conhece a concorrência. Sabe que elas vêm dispostas a tudo. Quando o viúvo é muito importante e se forma uma multidão à sua volta, dificultando o acesso, abrem caminho a cotoveladas. Não hesitam nem em ficar de quatro e engatinhar, entre as pernas, até ao viúvo. A Bete compreende. Sabe o valor de um bom viúvo em tempos como este. "Estamos numa selva", diz Bete, para encorajar alguma cliente que hesita. E lembra sempre: "Mostre o rego. O rego é importantíssimo."



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