Trabalho
escravo é ainda uma realidade no Brasil
Esse tipo de violação não prende mais o indivíduo a correntes, mas
acomete a liberdade do trabalhador e o mantém submisso a uma situação de
exploração
NATALIA SUZUKI E THIAGO CASTELI
Trabalhadores
escravos têm condições de trabalho muitas vezes precárias. O trabalho escravo ainda
é uma violação de direitos humanos que persiste no Brasil. A sua existência foi
assumida pelo governo federal perante o país e a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) em 1995, o que fez com que se tornasse uma das primeiras nações
do mundo a reconhecer oficialmente a
escravidão contemporânea em seu território. Daquele ano até
2016, mais de 50 mil trabalhadores foram libertados de situações análogas a de
escravidão em atividades econômicas nas zonas rural e urbana.
Mas o que é trabalho escravo contemporâneo? O
trabalho escravo não é somente uma violação trabalhista, tampouco se trata
daquela escravidão dos períodos colonial e imperial do Brasil. Essa violação de
direitos humanos não prende mais o indivíduo a correntes, mas compreende outros
mecanismos, que acometem a dignidade e a liberdade do trabalhador e o mantêm
submisso a uma situação extrema de exploração.
O trabalho escravo é
um crime, previsto no artigo 149 do Código Penal brasileiro, como constatamos a
seguir:
Art. 149: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a
condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Qualquer um dos quatro elementos abaixo é suficiente para configurar uma
situação de trabalho escravo:
·
TRABALHO FORÇADO: o indivíduo é obrigado a se submeter a condições de
trabalho em que é explorado, sem possibilidade de deixar o local seja por causa
de dívidas, seja por ameaça e violências física ou psicológica.
·
JORNADA EXAUSTIVA: expediente penoso que vai além de horas extras e
coloca em risco a integridade física do trabalhador, já que o intervalo entre
as jornadas é insuficiente para a reposição de energia. Há casos em que o
descanso semanal não é respeitado. Assim, o trabalhador também fica impedido de
manter vida social e familiar.
·
SERVIDÃO POR DÍVIDA: fabricação de dívidas ilegais referentes a gastos
com transporte, alimentação, aluguel e ferramentas de trabalho. Esses itens são
cobrados de forma abusiva e descontados do salário do trabalhador, que
permanece sempre devendo ao empregador.
·
CONDIÇÕES DEGRADANTES: um conjunto de
elementos irregulares que caracterizam a precariedade do
trabalho e das condições de vida sob a qual o trabalhador é submetido,
atentando contra a sua dignidade, como descrito no diagrama a seguir.
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
|
||
Anulação da Dignidade
|
E/OU
|
Privação da Liberdade
|
Alojamento precário
|
Dívida ilegal/servidão por dívida
|
|
Falta de assistência médica
|
Isolamento geográfico
|
|
Péssima alimentação
|
Retenção de documentos
|
|
Falta de saneamento básico e de higiene
|
Retenção de salário
|
|
Maus tratos e violência
|
Maus tratos e violência
|
|
Ameaças físicas e psicológicas
|
Ameaças físicas e psicológica
|
|
Jornada exaustiva
|
Encarceramento e trabalho forçado
|
* Baseado no Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas
às de Escravo publicado pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social
Acesse: http://goo.gl/TaUkSz
Quem é o trabalhador
escravo? Em geral, são migrantes que deixaram suas casas em busca de
melhores condições de vida e de sustento para as suas famílias. Saem de suas
cidades atraídos por falsas promessas de aliciadores ou migram forçadamente por
uma série de motivos, que pode incluir a falta de opção econômica, guerras e
até perseguições políticas. No Brasil, os trabalhadores proveem de diversos
estados das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, mas também podem ser
migrantes internacionais de países latino-americanos – como a Bolívia, Paraguai
e Peru –, africanos, além do Haiti e do Oriente Médio. Essas pessoas podem se
destinar à região de expansão agrícola ou aos centros urbanos à procura de
oportunidades de trabalho.
Tradicionalmente, o
trabalho escravo é empregado em atividades econômicas na zona rural, como a
pecuária, a produção de carvão e os cultivos de cana-de-açúcar, soja e algodão.
Nos últimos anos, essa situação também é verificada em centros urbanos,
principalmente na construção civil e na confecção têxtil.
No Brasil, 95% das
pessoas submetidas ao trabalho escravo rural são homens. Em geral, as
atividades para as quais esse tipo de mão-de-obra é utilizado exigem força
física, por isso os aliciadores buscam principalmente homens e jovens. Os dados
oficiais do Programa Seguro-Desemprego de 2003 a 2014 indicam que, entre os
trabalhadores libertados, 72,1% são analfabetos ou não concluíram o quinto ano
do Ensino Fundamental.
Muitas vezes, o
trabalhador submetido ao trabalho escravo consegue fugir da situação de
exploração, colocando a sua vida em risco. Quando tem sucesso em sua
empreitada, recorre a órgãos governamentais ou organizações da sociedade civil
para denunciar a violação que sofreu. Diante disso, o governo brasileiro tem
centrado seus esforços para o combate desse crime, especialmente na
fiscalização de propriedades e na repressão por meio da punição administrativa
e econômica de empregadores flagrados utilizando mão-de-obra escrava.
Enquanto isso, o
trabalhador libertado tende a retornar a sua cidade de origem, onde as
condições que o levaram a migrar permanecem as mesmas. Diante dessa situação, o
indivíduo pode novamente ser aliciado para outro trabalho em que será explorado,
perpetuando uma dinâmica que chamamos de “Ciclo do Trabalho Escravo”.
Para que esse ciclo
vicioso seja rompido, são necessárias ações que incidam na vida do trabalhador
para além do âmbito da repressão do crime. Por isso, a erradicação do problema
passa também pela adoção de políticas públicas de assistência à vítima e
prevenção para reverter a situação de pobreza e de vulnerabilidade de
comunidades. Dentre essas políticas, estão as ações formativas no âmbito da
educação, como aquelas propostas pelo programa Escravo,
nem pensar!.
Nenhum comentário:
Postar um comentário