quarta-feira, 29 de julho de 2020

Vamos ler... Um pouco sobre Quincas Borba de Machado de Assis


Quincas Borba – Machado de Assis

Após a morte de Quincas Borba, narrada no livro Memórias póstumas de Brás Cubas, a fortuna herdada por ele foi deixada para seu amigo Rubião, professor de Barbacena, cidade onde residia o filósofo. O dinheiro vem acompanhado do compromisso de cuidar do cachorro, também chamado Quincas Borba.
Subitamente enriquecido, Rubião se muda para o Rio de Janeiro e já na viagem conhece o casal Sofia e Cristiano Palha, que se comprometem a apresentar-lhe a corte e cuidar para que ele não seja alvo de aproveitadores. De fato, Sofia e Cristiano logo incluem Rubião em seu círculo de amizades. 
Com a convivência, nasce o interesse de Rubião pela bela Sofia. Ela logo percebe a paixão que provoca, utilizando-se disso para envolver ainda mais o milionário. Acreditando-se correspondido, Rubião se declara à amada durante um baile. Sofia comenta com o marido a ousadia do convidado, mas Cristiano tenta diminuir a ira da esposa, comentando que já devia muito dinheiro a Rubião. O marido ainda sugere que ela alimente aquele sentimento, para que eles possam continuar a explorar o pobre milionário. 
Frustradas suas tentativas amorosas, Rubião decide deixar o Rio de Janeiro. Cristiano fica preocupado com a notícia, que o afasta de sua principal fonte de renda. Por isso, insiste com o amigo para que fique, acenando com futuros reencontros com Sofia. Acompanha-o nessa tentativa certo Camacho, político que também tira vantagem da bondade e da ingenuidade de Rubião. Convencido, este decide permanecer no Rio de Janeiro. 
Rubião e Cristiano se tornam sócios em uma importadora, Palha & Cia. Com o tempo, o capitalista passa a administrar os bens e a fortuna do mineiro. A condição de vida do casal Palha melhora a olhos vistos. Rubião continua a frequentar a casa. Passa a sentir ciúmes crescentes do jovem Carlos Maria, que dirige gracejos a Sofia. Atingindo o estado de desespero, Rubião chega certa vez a gritar com Sofia, insinuando o adultério. A mulher contorna a situação e prova sua inocência, posteriormente confirmada com o casamento de Carlos Maria com Maria Benedita, prima de Sofia.
Cristiano rompe a sociedade com Rubião, alegando a necessidade de desligar-se da empresa a fim de capacitar-se a assumir cargos no sistema financeiro. Na verdade, já estabelecido, Cristiano quer continuar a conduzir sozinho os seus negócios. Sofia também se afasta de Rubião, recusando seus insistentes convites para passeios. 
Enlouquecido de desejo, Rubião visita Sofia, mas a encontra de saída. Quando ela sobe na carruagem que a espera, ele também entra, intempestivamente, baixando em seguida as cortinas. Mais uma vez, declara-se a ela, desta vez acrescentando ser Napoleão III e ela, sua amante. Sofia percebe a demência de Rubião. 
Logo, a notícia se espalha por toda a cidade. Seus delírios se acentuam à mesma proporção em que seu patrimônio diminui. Por insistência de amigos, os “Palha” assumem a responsabilidade de cuidar do doente. Como primeira providência, transferem-no para uma casa mais humilde. Os acessos de loucura continuam e Rubião acaba internado em um hospício.
Rubião foge e, acompanhado do cão, retorna a Barbacena. Ninguém os recebe e os dois acabam dormindo na rua. No dia seguinte, Rubião morre, ainda acreditando ser um imperador francês.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Vamos ler


10 pontos-chave para entender a cloroquina e a hidroxicloroquina
Com Bolsonaro fazendo propaganda do remédio, o ‘Nexo’ traz perguntas e respostas acerca de seu uso na pandemia

Cesar Gaglioni 09/07/2020 às 20h08 - Jornal Nexo

Diagnosticado com a covid-19, Jair Bolsonaro afirmou na terça-feira (7) ter começado a tratar a doença causada pelo novo coronavírus com hidroxocloroquina, um derivado da cloroquina. Desde o início da pandemia, o presidente faz propaganda do remédio. Abaixo, o Nexo traz dez perguntas e respostas sobre as substâncias e seus efeitos, baseado nas evidências científicas disponíveis.
O que é a cloroquina, e qual sua diferença para a hidroxicloroquina?
A cloroquina é um medicamento sintético usado para o tratamento de doenças como malária, artrite e lúpus. A hidroxicloroquina, derivada da cloroquina, também é usada nesses casos, mas tem um processo diferente de fabricação e é considerada menos tóxica para o organismo.
A cloroquina e a hidroxicloroquina têm efeito sobre a covid-19?
As evidências científicas, obtidas nos estudos desenvolvidos até o momento, dizem que a cloroquina e a hidroxicloroquina são ineficazes para o tratamento da covid-19. “Temos evidências suficientes para saber que não há nenhum impacto para pacientes hospitalizados com covid-19”, disse Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Por que a cloroquina e a hidroxicloroquina começaram a ser usadas no tratamento da covid-19?
Em fevereiro de 2020, um estudo do Instituto de Virologia de Wuhan, na China, indicou eficácia no controle do vírus em testes de laboratório, mas sem apontar efeito positivo em humanos. No mês seguinte, um estudo de cientistas franceses afirmou que as substâncias fizeram a carga viral de pacientes desaparecer – mas sem avaliar se houve melhora clínica. As duas pesquisas despertaram o interesse acerca da cloroquina e ela passou a ser mais estudada. Posteriormente, uma série de novos estudos constatou sua ineficácia contra a covid-19.
Por que muitas pessoas dizem ter sido curadas pela cloroquina e hidroxicloroquina?
A recuperação da maioria dos pacientes da covid-19 se dá por reações naturais do próprio corpo. Não há evidências científicas que sustentem que pacientes que tomaram a cloroquina ou a hidroxicloroquina se recuperaram como consequência direta do uso do remédio. Nesses casos, a afirmação é feita com base naquilo que é chamado de evidência anedótica, casos individuais ou isolados que não têm qualquer valor científico.
A cloroquina e hidroxicloroquina têm efeitos colaterais comprovados?
Dor de cabeça, enjoo, vômitos, diarreia, coceiras, irritações na pele, confusão mental, convulsões, queda da pressão arterial, arritmia, fraqueza muscular, perda da visão e sangramentos são alguns dos efeitos colaterais da cloroquina e da hidroxicloroquina. Seu uso, portanto, não só é ineficaz contra a covid-19 como pode trazer outros problemas para o paciente, segundo as evidências científicas disponíveis.
Por que é um problema o presidente da República fazer propaganda para a cloroquina e hidroxicloroquina?
Porque não há comprovação da eficácia das substâncias, que ainda podem causar uma série de efeitos colaterais. Além disso, a propaganda pode aumentar as buscas pelo remédio, esvaziando os estoques para quem realmente precisa dele, como ocorreu em março de 2020 em diversas cidades do país. Há também perigos na automedicação. Segundo Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, Bolsonaro insiste no medicamento porque é uma forma de dar confiança às pessoas. Assim, o presidente poderia levar adiante seu plano de reabrir a economia.
Quem decide qual paciente pode tomar cloroquina e hidroxicloroquina no Brasil?
De acordo com orientação do Ministério da Saúde, cabe ao médico decidir se vai receitar a cloroquina e a hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. Nesses casos, o paciente precisa assinar um termo expressando a autorização para receber as substâncias. Médicos que ainda receitam os medicamentos o fazem por ver neles um último recurso que pode eventualmente dar certo ou por pedido dos pacientes.
Outros países usam cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19?
Além do Brasil, países como Argélia, Turquia, Tailândia, Quênia e Senegal se utilizam da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com covid-19. Órgãos sanitários de países como Portugal, EUA e França suspenderam o uso das substâncias pelo fato de elas não apresentarem eficácia contra a covid-19.
Como o estudo contestado da Lancet sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina turvou o debate sobre o remédio?
Em maio de 2020, a respeitada revista britânica The Lancet publicou um estudo que reafirmava a ineficácia da cloroquina para o tratamento da covid-19 e apontava seus efeitos colaterais. Dias depois, surgiram contestações acerca da base de dados usada na pesquisa, algo que expôs fragilidades do artigo. Em entrevista ao Nexo, Marcia Furquim, editora científica da Revista Brasileira de Epidemiologia, disse que os problemas surgiram da pressa em apresentar resultados. Segundo ela, as questões do estudo acentuaram a politização do debate acerca das substâncias. Mesmo com fragilidades metodológicas, o estudo chegou às mesmas conclusões de diversas outras pesquisas que não foram contestadas e que apontaram a ineficácia dos medicamentos para a covid-19.
Quantas unidades do medicamento o Brasil já produziu? E quantas recebeu de doação dos EUA?
Entre março e abril de 2020, o Exército brasileiro produziu 1,2 milhão de doses de cloroquina. A produção foi paralisada temporariamente por falta de insumos, mas foi retomada em junho. Após descartarem o uso do remédio para a covid-19, os EUA doaram 2 milhões de doses para o Brasil também em junho. Além da propaganda pessoal de Bolsonaro, a Secretaria de Gestão e Trabalho da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde, publicou um vídeo em sua conta no YouTube no fim de junho em que orienta pacientes com sintomas leves a procurar atendimento médico. A peça mostra caixas de cloroquina e diz que os pacientes poderão ter a opção de “receber medicamentos”.



sexta-feira, 10 de julho de 2020

Vamos ler...


‘Cidadão não, engenheiro’: elites e autoritarismo no Brasil
A historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz fala ao ‘Nexo’ sobre a fraca concepção de cidadania que domina parte da sociedade brasileira
Juliana Domingos de Lima
07 de jul de 2020

O programa Fantástico, da rede Globo, exibiu no domingo (5) uma reportagem sobre a inspeção de bares e restaurantes, estabelecimentos que voltaram a funcionar com restrições no Rio de Janeiro em 2 de junho, após três meses fechados devido à pandemia do novo coronavírus. Os fiscais da Vigilância Sanitária monitoram o cumprimento das medidas de segurança contra a covid-19, condição para que os locais possam permanecer abertos.
Uma interação entre um casal e um fiscal da Prefeitura do Rio ocorrida na noite de sábado (4) e incluída na reportagem chamou a atenção. Sem máscara, na calçada de um restaurante na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade, um homem e uma mulher tentaram intimidar o fiscal Flávio Graça, superintendente de Inovação, Pesquisa e Educação em Vigilância Sanitária, Fiscalização e Controle de Zoonoses da prefeitura.
O cliente questionava a fiscalização, filmando o fiscal com um celular. Quando Graça se dirigiu ao homem chamando-se de “cidadão”, ouviu da mulher que o acompanhava: “Cidadão não. Engenheiro civil formado, melhor do que você”. Ela também diz ao fiscal que “a gente é que paga você, filho”, enquanto seu companheiro pede para “falar com o chefe” do servidor.
O caso ganhou repercussão e levou à demissão da mulher que aparece na filmagem pela empresa privada do setor de energia onde trabalhava, a Taesa. Na segunda-feira (6), a companhia emitiu uma nota na qual declara compartilhar da “indignação da sociedade em relação a este lamentável episódio”.
Uma reportagem do jornal O Globo publicada na segunda-feira (6) revelou que o engenheiro civil solicitou e recebeu uma parcela do auxílio emergencial de R$600, pago pelo governo federal a trabalhadores vulneráveis durante a pandemia. Uma das regras para ter direito ao benefício é ter renda familiar inferior a três salários mínimos (cerca de R$ 3.135).
A flexibilização da quarentena no Rio de Janeiro tem sido marcada pelo desrespeito às medidas impostas pela prefeitura para reduzir o risco de disseminação do novo coronavírus: receber apenas metade da capacidade de público, manter uma distância pelo menos dois metros entre as mesas, encerrar o expediente até as 23h e usar máscara, obrigatória por lei no estado. É permitido tirá-la somente no momento das refeições.
No primeiro dia de reabertura, o que se viu principalmente nas ruas do Leblon, bairro nobre da capital fluminense, foram aglomerações de pessoas sem máscara e o funcionamento de estabelecimentos para além do horário permitido.
A atitude dos frequentadores desses locais, assim como o episódio de intimidação do fiscal, são vistos pela historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz como parte de uma tradição que remonta à formação do país: a de pessoas de lugares sociais privilegiados se considerarem acima da lei.
Schwarcz é professora da USP, global scholar em Princeton e colunista do Nexo. Autora de livros como “Sobre o autoritarismo brasileiro”, ela falou ao Nexo na terça-feira (7) sobre os significados da frase dita ao fiscal no Rio, a raiz histórica desse tipo de comportamento e a noção de cidadania no país.
O que o episódio do casal que insultou um fiscal no Rio diz sobre as relações no Brasil?
LILIA SCHWARCZ Há uma classe média muito intolerante, que não respeita o Estado, que acha que está acima do Estado. A frase ‘cidadão não, engenheiro civil formado’ é muito reveladora sobre esse tipo de concepção de que o Estado é casa própria.
Ela é muito semelhante a uma espécie de ritual nacional, como diz um artigo clássico do [antropólogo brasileiro] Roberto da Matta, que é o ‘você sabe com quem está falando?’. Supostamente uma pergunta, ela é na verdade uma afirmação que devolve o lugar social [de quem a utiliza]. Ela diz ‘você é menos do que eu sou’.
Ao afirmar que o marido dela era engenheiro, a senhora quis dizer ao fiscal que o marido dela era superior – social, cultural e moralmente – ao fiscal que desempenhava o seu papel.
Você vê uma relação entre o privilégio e a desigualdade social no país?
LILIA SCHWARCZ Eu não acho que a frase fala da nossa desigualdade – fala lateralmente, mas ela diz muito mais da nossa concepção frouxa de cidadania. A cidadania é feita de direitos e deveres para o bem comum. Um engenheiro tem o mesmo dever para o bem comum, que é o Estado, do que um fiscal. Mas a desigualdade produz muita intolerância. Esse nosso déficit educacional produz um Estado pouco democrático. Então acho que fala mais da nossa democracia frouxa e incompleta.
Qual a origem histórica desse tipo de comportamento? Por que ele se perpetua?
LILIA SCHWARCZ O Brasil foi criado sob o signo da escravidão. Criou-se um país em que uma vasta parte da população tem que obedecer e uma minoria vai mandar. Nesse modelo colonial, poucos tinham poder sobre tudo e se acostumaram a ser os grandes mandões locais. Esse tipo de poder se perpetuou na Primeira República com os coronéis, que eram os grandes caciques locais, mandavam nas eleições, no voto, na vida, na morte.
E se perpetua nesse momento também, em que nós elegemos a maior ‘bancada dos parentes’ na Câmara, por exemplo. Essa bancada é composta por pessoas que pretendem se eternizar no poder. Pretendem criar locais de poder e de privilégio que são definitivos, absolutamente eternos, e que não passariam pelo escrutínio do Estado, do direito, da cidadania. Aquela frase revela muito da conformação autoritária da sociedade brasileira.
Qual a relação entre essa conduta de indivíduos e o autoritarismo da sociedade brasileira?
LILIA SCHWARCZ Foi um gesto autoritário daquela senhora. Ela pretendeu desmerecer uma pessoa que cumpria sua função fazendo referência a uma profissão que, no Brasil, sempre foi muito valorizada. Não é à toa que ela falou engenheiro. No Brasil, as famílias ricas nos séculos 19 e 20 destinavam uma pessoa para a medicina, outra para a engenharia e outra para a Igreja. O engenheiro sempre teve um diploma de doutor aqui no Brasil e, como diz Lima Barreto em ‘Os Bruzundangas’, doutor é um passaporte definitivo, você nem diz doutor em quê. Então ela está usando desse velho vocabulário social brasileiro.
Por que pessoas que ocupam uma posição mais elevada na hierarquia social tendem a crer que há regras que não se aplicam a elas?
LILIA SCHWARCZ Há um provérbio que já existia no Brasil colonial: ‘aqui, quem rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão. Quem rouba mais e esconde chega logo a visconde’. É a ideia de que a lei não é para todos, a lei é só para o seu inimigo. Para os seus amigos, nada.
Essa é exatamente a circunstância. Como eu estou lá com os meus amigos, essa lei de evitar aglomerações, essa lei da máscara, diz respeito aos outros, não a mim, que sou uma pessoa de elite, que não preciso desse tipo de marca, ‘cidadão’.
É impressionante essa ideia de que a lei, as instituições e a cidadania são para os outros, para os que são ‘menos’, enquanto os mais privilegiados não precisam de nada disso. É uma concepção pífia de Estado, e que tem a ver com esse nosso governo atual, com o nosso presidente que não usa máscara, que incentiva aglomeração, que fala que a covid-19 é uma gripezinha.
Me preocupa muito não só o que o presidente acha, mas o que ele avaliza. Esse tipo de atitude tem muito do aval do nosso presidente.
Não é à toa que o engenheiro se define [em seus perfis nas redes sociais] como uma pessoa conservadora. O que é ser conservador? É conservar a covid-19? [risos] Ele quer conservar a pandemia? Vamos conservar tudo agora, a pobreza, a desigualdade e a pandemia também.
O que é cidadania? Como essa crença na própria excepcionalidade se choca com ela?
LILIA SCHWARCZ O termo ‘cidadania’ veio da ideia de morador das cidades. Num ambiente teoricamente mais horizontal do que o de um feudo, de uma grande propriedade, era preciso construir leis iguais para todos. É suposto que o Estado se baseie no conceito de universalidade de bens e deveres.
No Brasil, com a existência desses grandes senhores, em geral homens e brancos, cria-se uma concepção muito frouxa – esse conceito vem do [historiador] Sérgio Buarque de Holanda – não só do Estado como das instituições, dos partidos e, com isso, da nossa cidadania.
Lá em 1936, Sérgio Buarque de Holanda já falava: essa concepção frouxa fará com que o Brasil não chegue à modernidade. Esse alerta nos ajuda a pensar nesses episódios porque, de fato, parte da população brasileira acredita que está além da lei, muito além, e, portanto, não precisa segui-la.
Me impressiona como no Brasil a negação de uma série de valores que pareciam incontestáveis agora parece ser sinônimo de autenticidade e de privilégio – essa ideia de desconhecer as minorias, de dizer que é mesmo machista, que é mesmo contra gays. Isso virou uma espécie de troféu particular e dentro desse vagalhão vai também a concepção de cidadania. Ou seja, a reação dessa senhora é muito sintomática da maneira como esse tipo de brasileiro de classe média compreende a sua nação. As regras, as limitações servem para os outros, para os pobres. A pessoa não se enxerga dentro desse todo, não faz parte. O conceito de nacionalidade tem muitos problemas, mas um ponto positivo dele é justamente a criação de uma comunidade de afeto, como diz o [cientista político e historiador americano] Benedict Anderson. Essas pessoas que vão aparecendo agora, avalizadas pelo presidente e por esse tipo de governo, não têm qualquer afeto desse tipo.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

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O tratamento brasileiro que eliminou o HIV de um paciente
Trabalho realizado pela Universidade Federal de São Paulo mostra que não há cargas virais no corpo de um voluntário há pelo menos 17 meses
Cesar Gaglioni06 de jul de 2020

Um trabalho realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) conseguiu eliminar por completo o vírus HIV de um paciente. O voluntário, cuja identidade não foi revelada publicamente, mostrou o resultado de seus exames para a CNN Brasil. Eles mostram que não há cargas virais em seu corpo há pelo menos 17 meses.
Atualmente, há apenas dois casos de eliminação do HIV reconhecidos pela comunidade científica. A próxima fase do estudo brasileiro está suspensa em razão da pandemia do novo coronavírus. Mais testes serão realizados antes do envio da pesquisa para a validação científica e médica antes do tratamento ser aplicado em larga escala.
Como foi feito o tratamento. E os próximos passos
O estudo teve início em 2013, liderado pelo infectologista Ricardo Sobhie Diaz, pós-doutor especializado na diversidade genética do HIV. A pesquisa contou com 30 voluntários, todos homens, que possuíam carga viral baixa – o que significa que não podiam transmitir o vírus, mesmo convivendo com ele.
“A gente intensificou o tratamento. Usamos três substâncias no estudo, além de criar uma vacina”, disse Diaz à CNN Brasil. A administração dos remédios envolve uma combinação em maior dose de medicamentos que já são usados por pacientes infectados pelo HIV.
Já a vacina experimental foi produzida a partir do DNA dos próprios pacientes, combinando células de defesa e moléculas presentes no vírus de cada um deles.
Os outros pacientes envolvidos nos testes tiveram resultados positivos, mas não no mesmo nível que o paciente que conseguiu eliminar o vírus. Por isso, o infectologista acredita que ainda é cedo para se falar em cura, já que não há garantias de que o HIV não vai voltar a se manifestar.
“Caso o tempo nos mostre que o vírus não voltou, aí sim, poderemos falar em cura” Ricardo Sobhie Diaz infectologista, em entrevista ao jornal Correio Braziliense
O estudo da Unifesp está paralisado em razão da pandemia do novo coronavírus. Quando os trabalhos retornarem, a fase seguinte da pesquisa vai realizar o tratamento com 60 pacientes, incluindo mulheres.
O processo ainda é longo. Será necessário avaliar os resultados dos outros pacientes da primeira fase, escolher os voluntários da segunda fase, administrar as substâncias, aguardar resultados, validá-los e posteriormente levá-los para a análise de autoridades médicas. Não há uma previsão para a aplicação em larga escala do tratamento caso ele se prove um sucesso.
Os outros dois casos de pacientes recuperados
Só há outros dois casos registrados e já aceitos pela comunidade científica de pacientes que se recuperaram do HIV.
O primeiro deles foi o americano Timothy Ray Brown, que passou por um tratamento em Berlim no ano de 2007. O segundo foi o venezuelano Adam Castillejo, que passou por um tratamento em Londres em 2019.
Em ambos os casos, os pacientes foram tratar outras doenças – uma leucemia e um câncer no sistema linfático, respectivamente.
Os dois passaram por transplantes de medula óssea e, devido a uma mutação rara em uma proteína presentes nas células, viram-se livres do HIV, que não conseguia mais se reproduzir. Quando os resultados foram divulgados, os pacientes já estavam saudáveis há meses.
A comunidade científica não se refere aos casos de Brown e Castillejo como “cura”. O termo usado é “remissão a longo prazo”, já que não se sabe exatamente se em algum momento o HIV pode voltar a aparecer.
O HIV no mundo
O HIV foi notado pela primeira vez em 1981, espalhando-se rapidamente pelo mundo nas décadas de 1980 e 1990. Ainda em 2020 a OMS (Organização Mundial da Saúde) considera a aids, doença causada pelo vírus, como uma epidemia em curso.
Os dados mais recentes sobre o HIV no mundo são de 2018. Naquele ano, 37,9 milhões de pessoas estavam convivendo com o vírus. No mesmo ano, cerca de 770 mil mortes foram registradas em decorrência da aids, que ataca o sistema imunológico do paciente.
O Unaids, programa da Organização das Nações Unidas para o combate à aids, tem como meta acabar com a epidemia até 2030. Para isso, eles trabalham com uma meta intitulada 95-95-95.
O objetivo prevê que 95% dos infectados devem ter ciência de que possuem o vírus; destas, 95% devem estar recebendo tratamento e, destas, 95% devem apresentar bons resultados.


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